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Localizada a meia hora de São Paulo, a cidade de Barueri é uma ilha de prosperidade cercada por todos os lados por ruas arborizadas, sedes de grandes empresas e o conhecido condomínio de luxo de Alphaville. Foi com grande surpresa que seus moradores e amigos próximos de Lorraine Cutier Bauer Romeiro, de 19 anos, viram no noticiário imagens da jovem sendo detida em flagrante, em 22 de julho, por tráfico de drogas. Afinal, de dia, ela costumava circular por shoppings e parques exibindo as roupas de grife e os longos cabelos loiros. À noite, vestia uma jaqueta surrada, cobria a cabeça com um capuz e virava a chefe de um ponto de venda de drogas no coração da Cracolândia.

A região é um inferno de degradação e imundície no centro da maior metrópole brasileira. Ali, a influenciadora digital com mais de 30 mil seguidores não era conhecida como Lorraine, mas pelo apelido que ganhou nas ruas: “Gatinha da Cracolândia”. Controlando a venda de crack e cocaína, ela bancava a vida que lhe permitia publicar em suas redes sociais as fotos de passeios de barco em Angra dos Reis (RJ) e em outros destinos sofisticados frequentados pela elite brasileira. Segundo a polícia judiciária, sua banca de drogas faturava R$ 6 mil por dia, chegando a R$ 35 mil em fins de semana de grande movimento. A Operação Caronte, responsável pelo caso, já deteve 14 suspeitos e desmantelou todas as bancas vinculadas ao comando do tráfico. É um mal que atinge todo o País, que tem dois milhões de pessoas viciadas em crack. Apesar da intimidade com a droga, Lorraine nunca foi uma delas.

Em Barueri, ninguém quer falar sobre o assunto. “A família é idônea e muito querida na cidade”, revelou um amigo, que preferiu não se identificar. Adriana, mãe de Lorraine, é atualmente gerente de uma imobiliária. O pai, o empresário Ricardo Cutier Bauer Romeiro, ex-proprietário de uma fábrica de cimentos, foi assassinado durante um assalto em 2014, aos 43 anos. Sua morte, quando Lorraine tinha 12 anos, abalou a família e obrigou Adriana a tocar a empresa sozinha. Seu outro filho, Lorruan, é estudante de Odontologia, trabalha e leva uma vida normal. Após a prisão, ele escreveu no Facebook que a irmã “se envolveu com pessoas erradas”, mas que a família “não vai passar a mão na cabeça dela”. Confirmou também que não enfrentavam problemas financeiros e tinham uma vida confortável. Em uma mensagem à mãe, após a prisão, Lorraine escreveu apenas: “Te amo muito. Não esquece de mim”. O responsável por sua defesa é o criminalista José Almir, que assumiu o caso após a advogada Ana Paula Muniz deixar a defesa, na terça-feira 27.

“O mundo do tráfico é muito violento. Se a pessoa não consegue sair, tem vida curta” Fabiano Fonseca da Silva, psicólogo (Crédito:Divulgação)
CRÍTICAS Lorruan, o irmão: “Não vamos passar a mão na cabeça dela” (Crédito:Divulgação)

Lorraine é namorada de André Luíz Santos Almeida. Conhecido como “MC Tatuchina”, ele foi apreendido três vezes pela polícia quando era adolescente e, aos 16, já se declarava “o dono da boca” do tráfico. O casal já havia sido detido em junho, mas como Lorraine tem uma filha de um ano, de um relacionamento anterior, ela havia conseguido deixar a cadeia em liberdade condicional.

Segundo o delegado Roberto Monteiro, da 1ª Seccional, que coordena a Operação Caronte, não é a primeira vez que jovens de classe média são presos por tráfico de drogas.

“A atividade atrai porque muitos pensam que é uma maneira fácil de ganhar dinheiro. Já desmantelamos várias quadrilhas semelhantes, em que os integrantes tinham esse mesmo perfil”, diz o delegado.

Vida perigosa

O envolvimento de jovens brasileiros de classes média e alta no tráfico começou a crescer nos anos 1980. Em junho, a Amazon Prime levou ao ar a minissérie “Dom”. A produção conta a história de Pedro “Dom” Machado Lomba Neto, que ficou famoso como o “Bandido Gato”. Filho de um delegado de polícia, Dom virou traficante e atendia clientes na Zona Sul no Rio de Janeiro. Foi morto em 2005. Para o psicólogo Fabiano Fonseca da Silva, adolescentes bem educados podem ser seduzidos pela ilusão de que é viável ganhar dinheiro com o crime, escolha que leva à prisão e, não raro, à morte. “A grande maioria não se envolve com o tráfico, mas há uma minoria que acredita nas miragens da sociedade de consumo”, afirma. “O mundo do tráfico é muito violento. Se a pessoa não consegue sair, tem vida curta.” O psicólogo credita o fenômeno a uma característica da adolescência: a vontade de viver o presente sem se preocupar com o futuro. “Mesmo com apoio financeiro, é difícil para quem ainda não amadureceu construir uma estrutura capaz e se preparar para o futuro. O imediatismo é muito grande”.

Segundo o psicólogo, o número cada vez maior de mulheres presas por tráfico é fruto, principalmente, da influência das relações pessoais – geralmente a partir de namorados ligados ao mundo do crime. “As mulheres querem apoiá-los e acabam se envolvendo.” Segundo dados da Pastoral Carcerária de São Paulo, 70% das sentenciadas, ou 8,9 mil mulheres, foram para as penitenciárias por tráfico de drogas no último ano. Se for sentenciada, Lorraine engordará essa estatística. Apesar da punição que começa a receber na vida real, ela continua fazendo sucesso no mundo virtual: desde que foi presa, já ganhou mais de vinte mil seguidores nas redes sociais.