Hoang estava tão acostumado a dormir fora de casa que uma noite, sem levantar suspeitas, arrumou suas coisas e deixou o apartamento da família que o hospedava. Pouco depois, o jovem de Hong Kong, de 16 anos, foi detido pela guarda costeira chinesa no mar quando fugia para Taiwan.

Hoang é o mais jovem dos “12 de Hong Kong”, como a imprensa se refere aos que, tendo optado por uma fuga perigosa, estão, desde que seu barco foi interceptado, nas mãos da Justiça chinesa.

A maioria estava sendo processada por envolvimento na histórica mobilização de 2019 na ex-colônia britânica. Enquanto isso, Pequim continua reforçando seu controle sobre a cidade, que supostamente tem um alto grau de autonomia.

Acusado de lançar um coquetel molotov durante as manifestações do ano passado, Hoang foi acusado de tentativa de incêndio criminoso. A AFP decidiu não revelar sua verdadeira identidade.

Há tempos ele mantinha relações complicadas com sua família e, à espera de seu julgamento em Hong Kong, morava com pessoas que compartilhavam de seu compromisso pró-democracia.

– “Seu cheiro vai desaparecer” –

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“Na primeira vez que nos encontramos ele mal falava”, lembra Diana, que lhe ofereceu um lugar para ficar durante três meses e esteve com ele durante sua última noite na megalópole.

“Era difícil vê-lo, porque parece que ele queria se proteger e tinha dificuldades com pessoas que não conhecia”, acrescenta Diana, que também usa um pseudônimo.

Naquela noite, ela preparou um de seus pratos favoritos, arroz e sashimis, e após o jantar, depois de receber um telefonema, Hoang empacotou seus pertences.

Ela estava tão acostumada com Hoang indo de casa em casa que não se preocupou quando o viu partir na noite de 22 para 23 de agosto. No dia seguinte, na ausência de notícias, Diana ficou inquieta, assim como 11 outras famílias de Hong Kong.

Wong Wai-yin, um técnico de 29 anos, também não disse nada às pessoas próximas sobre seu projeto de fuga. Julgado em Hong Kong por fabricar explosivos, ele compareceu a todas as audiências judiciais.

Após seu desaparecimento, sua esposa e mãe vasculharam suas coisas e encontraram uma mensagem onde ele se desculpava caso algo acontecesse.

“Não mudei seu travesseiro desde que ele desapareceu”, disse a esposa de Wong à AFP, que pediu para permanecer anônima. “Tenho tanto medo do dia em que o cheiro dele desapareça”, acrescenta com tristeza.

Rumores começaram a circular rapidamente, especialmente em fóruns online usados por ativistas pró-democracia.

– Devorados pela Justiça chinesa –

A confirmação da prisão veio em 26 de agosto, quando a China anunciou que 12 moradores de Hong Kong haviam sido presos por “atravessar ilegalmente a fronteira”.

Um jornal pró-Pequim publicou posteriormente os nomes dos suspeitos e as acusações pelas quais eles estão sendo processados em Hong Kong, antes que os detalhes da tentativa imprudente de fuga para Taiwan, uma ilha localizada 700 quilômetros, fossem conhecidos.


Com a repressão chinesa sobre a ex-colônia britânica, Taiwan emergiu como um possível local de asilo para os moradores de Hong Kong que desejam fugir, já que a ilha faz vista grossa quando alguém aparece sem os documentos e vistos necessários.

A pandemia de coronavírus complicou as possibilidades de viajar de avião para Taiwan e, além disso, a Justiça de Hong Kong frequentemente confisca os passaportes de pessoas indiciadas. Daí a opção marítima.

Primeiro grupo a ser oficialmente preso, os “12 de Hong Kong” queriam escapar de um julgamento em Hong Kong e acabaram devorados pela justiça chinesa.

A ex-colônia britânica, no entanto, possui um sistema judicial independente e respeitado, onde os direitos de defesa são garantidos e os julgamentos são públicos.

Na China, a condenação de pessoas acusadas está quase garantida. As autoridades chinesas demoraram 20 dias para confirmar que os 12 estavam detidos em Shenzhen, sem revelar as suas identidades.

Durante uma recente coletiva de imprensa, alguns membros das famílias dos 12 detidos alegaram que os advogados chineses nomeados por eles não puderam ver seus clientes, aos quais as autoridades designaram defensores públicos.

O Executivo de Hong Kong, que está alinhado com Pequim, indicou que só pedirá a entrega dos 12 após os julgamentos na China.


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