É como disse Manuel Bandeira, “Vou-me embora pra Pasárgada, Lá sou amigo do rei.” Com a crise de saúde em decorrência do novo coronavírus, o ano foi marcado por inúmeras mudanças sociais, entre elas o deslocamento de uma parte mais rica da população das grandes cidades para locais mais isolados e próximos à natureza. Tal fluxo é certamente uma consequência das medidas de isolamento social que intensificaram o trabalho e estudo a distância. O movimento é uma tendência global. Nos Estados Unidos, uma pesquisa do Pew Research Center publicada em julho constatou que 22% dos entrevistados se mudou ou é próximo de alguém que se transferiu de moradia na pandemia. Desse total, 3% afirmam que a mudança é definitiva.

Naia Ceschin é artista plástica, paulistana que passou a vida morando na capital. Mas, durante a quarentena, isolou-se no litoral com a família. “Quando começou a pandemia, alugamos uma casa na praia e ficamos morando lá um tempo. Depois, também fui para a Bahia, onde moram familiares, e fiquei um mês por lá. Essa situação toda me fez repensar a maneira como vivemos e como é importante para mim estar perto da natureza. Algo que na correria do dia eu não percebia”, revela. Designer gráfica e ilustradora, Ceschin tem a fauna e a flora como suas principais fontes de inspiração, elementos que ganham suas obras em cores e formas. Durante a quarentena, compartilhou em seu Instagram uma série de trabalhos com a hashtag Quarantine Drawings, que significa desenhos de quarentena, em tradução livre. Imagens que exploram temas relacionados ao meio ambiente e à família. “Tenho uma filha pequena e estou grávida do segundo. Vê-la correndo livre, respirando ar puro e tendo esse contato diário com a natureza não tem preço”, comenta.

Também isolada no litoral, Andrea Bisker, consultora especializada em tendências e inovação e nome à frente das empresas Spark:off e Stylus, viu a possibilidade de estar longe de São Paulo durante a maior parte do tempo como uma oportunidade de experimentar uma dinâmica diferente. “O meu trabalho, do meu marido e a escola dos meus filhos impediam essa mobilidade, com a educação a distância e o advento do home office, pude viver essa experiência. Tem sido espetacular, pois tem a ver com a liberdade de estar onde você quiser, estar em contato com a praia e com a natureza, descobrindo novas histórias, conhecendo pessoas, provando diferentes tipos de comida. Na praia até a forma de se vestir muda completamente”, explica.

Bisker nasceu em São Paulo, cidade que chama de lar há 53 anos e atualmente alterna seu tempo entre a capital e o litoral, dinâmica que pretende manter durante o futuro próximo. A saudade da vida social de São Paulo, no entanto, faz-se presente no dia a dia da consultora. “Sinto falta de almoçar fora, encontrar conhecidos e de ir para a casa de amigos. Como estou distante, os encontros estão sendo virtuais.”

A relação com a fauna e a flora se mostra como um dos principais motivadores para as mudanças durante a quarentena. A Pasárgada de Manuel Bandeira tem banhos de mar e momentos à beira do rio, já o refúgio da atriz e influenciadora digital Lucy Ramos no interior de São Paulo é cercado de verde e pés de amora. “Aqui, colho a fruta diretamente do pé, ouço o canto dos pássaros e ainda tenho contato com animais que não fizeram parte da minha infância”, diz Ramos. Nascida no Recife e naturalizada em São Paulo há mais de 30 anos, ela se mudou para seu sítio nos arredores da capital logo no início da quarentena. “Optei pelo interior para ficar literalmente ‘no meio do mato’. Sempre gostei muito desse contato com a natureza – até vinha para cá antes de forma esporádica. É um privilégio que me ajuda a recuperar a energia, que alimenta minha alma, cuida do físico, psicológico e me ajuda a ser mais produtiva.”

Certamente um estilo de vida diferente do que Lucy Ramos estava acostumada, o interior não oferece a efervescência da capital, algo que a atriz revela sentir falta: “Sinto não ter o acesso rápido a um pedido delivery, da facilidade em encontrar os amigos”. Um novo estilo de vida que, como tudo, mostra os dois lados de uma moeda. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.