“Saiu hoje?”, perguntou o assustado ministro da Saúde, Nelson Teich, no final da tarde de segunda-feira, 11, aos jornalistas que lhe perguntaram, na entrevista coletiva realizada diariamente no Ministério da Saúde para o anúncio dos números de casos de coronavírus, o que ele achava do fato de Bolsonaro ter incluído academias de ginástica, salões de beleza e barbearias entre os serviços considerados essenciais e que, por essa razão, poderiam funcionar durante a quarentena. A entrevista acontecia no exato momento em que o presidente publicava, no Diário Oficial da União, o decreto liberando esses segmentos para funcionar durante a pandemia. É evidente que essa era uma decisão grave, que afetaria a política de isolamento social — pois esses estabelecimentos são sabidamente conhecidos por aglomerar um grande número de pessoas e passíveis de provocar a propagação do vírus entre seus frequentadores. No mínimo, o mandatário deveria ter consultado seu ministro da Saúde, teoricamente responsável pela adoção das medidas que normatizam o distanciamento social, para saber se poderia ou não liberar esses setores para o trabalho normal. Mas não. O ministro não foi consultado. Pior. Soube pelos jornalistas que cobrem o Palácio do Planalto e que viram o decreto depois de ele ter sido publicado. Uma total falta de respeito por parte do mandatário, que trata o novo ministro como fantoche ou marionete que ele manipula da maneira que deseja.

CONFUSÃO As academias estão divididas: Bolsonaro autoriza abertura, mas os governadores pedem que fechem (Crédito: Miguel Noronha)

O mais hilário é que Teich, em nenhum momento, deixou de mostrar indignação após saber da medida esdrúxula adotada pelo presidente. Ele ainda olhou para o lado onde estava o general Eduardo Pazuello, seu secretário executivo — e considerado uma espécie de interventor de Bolsonaro no Ministério — , como se perguntando a ele o que havia acontecido, mas o militar fez cara de paisagem e aumentou a intriga. Depois, disse aos jornalistas que também de nada sabia. Uma saia justa completa. E o ministro passou mais um vexame em público. Desde o início, quando trocou Luiz Henrique Mandetta por Teich, o presidente deixou claro que queria para o cargo alguém que ele pudesse controlar e acabar de vez com a política de isolamento social defendida pela OMS, por seu Ministério da Saúde e por todos os governadores. Como o ministro não vem cedendo aos seus apelos, Bolsonaro começou a fritá-lo. Neste caso, está detonando alguém que não tem nem um mês no cargo. Imaginou que, com Mandetta fora e Teich no posto, poderia implodir o isolamento social defendido, sobretudo, pelos governadores, seus inimigos prediletos. O novo ministro, porém, não abraçou a causa.

Tanto que no início da nova gestão, Bolsonaro obrigou Teich a aceitar sete militares no ministério em substituição aos técnicos de Mandetta, com a missão de impor suas vontades no setor. Mas, Bolsonaro está dando com os burros n’água. Teich pode ser bem mais despreparado do que Mandetta e sujeito a atender os caprichos do mandatário, mas uma coisa ele não é: genocida, como pretende ser a política sugerida pelo mandatário. Teich, assim como o antecessor, é adepto de se seguir as medidas sugeridas pela OMS e concorda integralmente com a política de distanciamento social. Já fala até em decretar o lockdown. Ou seja, a paralisação total para evitar que nos tornemos a Nação com o maior número de mortes do Planeta. Tanto que, na terça-feira, 12, o Brasil registrou o absurdo número de 881 mortes em 24h e superou os 12 mil óbitos, marca que bateu a França.

“Em São Paulo, o governo ouve o secretário da Saúde que nos indica a falta de condições sanitárias seguras para a reabertura desses estabelecimentos” João Doria, governador de São Paulo (Crédito: Governo do Estado de Sao Paulo)

Neste caso específico das academias de ginástica, salões de beleza e barbearias fica evidente que há um equivoco enorme do presidente ao liberá-los. Está claro que esses setores não são essenciais e provocam aglomerações indesejáveis e perigosas. “Precisamos evitar a criação de fluxos que impeçam que as pessoas se contaminem”, disse Teich. E depois de soltar o desconfortável “saiu hoje?”, o novo ministro percebeu a arapuca em que estava se metendo e não quis polemizar. “Não é atribuição nossa. Isso aí é uma decisão do presidente”, desconversou. O general Pazuello também se recusou a comentar a decisão. “Só para deixar claro: é uma decisão do Ministério da Economia, não é nossa.” Os governadores, como João Doria, mantiveram as academias proibidas. “Aqui nós ouvimos nosso secretário de Saúde”, afirmou. Como tem se tornado praxe nestes tenebrosos dias de pandemia, Bolsonaro insiste em liberar diversos setores para que a economia volte ao normal. Ao comentar a decisão de tornar esses serviços essenciais, o presidente voltou a elocubrar suas teses desconexas. “Academia é vida. As pessoas vão aumentando o colesterol, têm problemas de estresse. Com as academias, vão ter uma vida mais saudável.” Esquece-se de que as pessoas podem, e fazem, exercícios em casa durante o isolamento.

Capitão cloroquina

Na terça, 12, mais um desentendimento público. Teich criticou o uso da cloroquina em seu Twitter, o que levou o presidente a dizer que seus ministros tinham que trabalhar afinados com ele. No final da quarta, 13, Teich cancelou coletiva em que falaria dos seus planos para o isolamento em comum com os estados. Mais uma trombada. Na verdade, o que Bolsonaro faz, desde o início, é trabalhar contra a quarentena. Ainda não se conformou com o fato do STF, por unanimidade, ter decidido que compete aos Estados estabelecer as políticas para o distanciamento social. Para o presidente, tudo deveria voltar ao normal e que morra quem tem que morrer. “E daí? Vou fazer o quê?”, disse, ao lavar as mãos quando o Brasil atingiu 5.017 mortes. E no dia em que o País chegou aos 10 mil óbitos, no sábado, 9, ele foi ainda mais cruel: passeou de Jet ski, esbofeteando a cara dos brasileiros que sofrem com a maior tragédia da sua história. Assim, não há ministro que aguente por muito tempo no cargo, sendo fantoche ou não.