À medida que são divulgados os nomes centrais do próximo governo, fica cada vez mais claro que o Lula optou por uma gestão petista, apesar de ter sido eleito em nome de uma frente ampla. Antes do pleito, ele formou uma chapa com o ex-tucano Geraldo Alckmin, no que teria sido o maior indicador da disposição de ceder poder a antigos adversários em nome da pacificação e da governabilidade. No segundo turno, o petista foi endossado por Simone Tebet, a terceira colocada na disputa, trocou as camisetas vermelhas pelas brancas, e contou com o apoio explícito dos principais economistas do plano Real, críticos das gestões econômicas petistas.

Mas, depois de eleito, foi justamente na economia, a área mais sensível de todas, que ele marcou o território de sua próxima administração. Todos os nomes indicados são próximos a ele, e o cerne da política econômica será uma continuação da gestão Dilma Rousseff, sem concessões. Isso é um cenário de pesadelo para os agentes econômicos, dado que a antiga sucessora de Lula causou a maior recessão da história do País.

Mesmo com os sinais de descontentamento (dólar, juros e pressão inflacionária subindo, investidores pisando no freio), Lula dobrou a aposta e ironizou “o mercado”: anunciou que não haveria mais privatizações, chamou o agronegócio de “fascista” e disse que sua preocupação é com os pobres, e não com a disciplina fiscal. Tem todo o direito a externar suas opiniões mais íntimas, mas a fórmula que ele e seus colaboradores próximos pregam, sem filtros, é perigosíssima. É aplicada há décadas pelo peronismo na Argentina, por exemplo. O vizinho era um dos dez países mais ricos do mundo há um século. Hoje, metade da população está abaixo da linha da pobreza, com uma inflação de três dígitos. Esse histórico, e o colapso da gestão Dilma, não deveriam servir de alerta?

Além da economia, o maior símbolo da tentação hegemônica do petismo é a dificuldade em acomodar Simone Tebet. A emedebista está sendo escanteada do ministério do Desenvolvimento Social, pois ganharia a “vitrine” do Bolsa Família e isso poderia fazer sombra a Haddad no pleito de 2026. Além de mesquinho, esse cálculo errado pode fazer o novo governo perder o apoio do centro logo na largada. Ao contrário do que o comissariado petista  imagina, um governo puro sangue vai isolar Lula e fortalecer a oposição, que conta com metade da população, atualmente capturada em grande parte pelo bolsonarismo. Ela não vai se converter ao petismo.

E não é apenas Simone Tebet que prenuncia o futuro isolamento do novo governo. Márcio França, do PSB, deve ficar sem o Ministério das Cidades, apesar de ter sido o grande fiador da aproximação entre Geraldo Alckmin e Lula. No Congresso, os petistas mais exaltados já sonham com  uma chapa para a presidência da Câmara, a fim de destronar o Centrão. Faz muito pouco tempo, apenas seis anos, que Dilma Rousseff caiu na armadilha da própria arrogância autossuficiente dando origem ao reinado deEduardo Cunha, que a apeou do poder com um impeachment.

Lula precisará realizar um governo histórico, com espírito de estadista, para fazer o País se modernizar, crescendo a taxas chinesas e tirando os pobres da miséria. Não conseguirá isso com a equipe econômica que escolheu. Também precisará realizar um governo de conciliação nacional, para abraçar toda a sociedade e esvaziar os bolsões antidemocráticos e golpistas. Esse segundo objetivo também parece cada vez mais distante, pois o petista parece afastar os novos amigos, preferindo abrigar apenas os velhos companheiros.