Era uma vez uma pandemia.

É. Era uma vez. Porque, aos poucos, a pandemia vai perdendo sua importância.

Começam a ser impostas regras mais maleáveis, para a alegria do presidente, que já há muito tempo não liga para
a Covid com a mesma dedicação que não ligava no passado.

Isolamento e máscaras, lentamente vão ficando guardadas na memória e nas gavetas.

Apesar disso, alguns hábitos adquiridos nesse período sombrio, desconfio, ficarão para sempre.

As reuniões remotas, por exemplo.

Foi a pandemia que nos ensinou que nada justifica cruzar a cidade para sentar em volta de uma mesa de reuniões, sofrendo com as intempéries, o trânsito e, principalmente, o processo lento e enfadonho de fazer o crachá com a moça da recepção.

Foi necessário um vírus chinês para descobrirmos que nada é tão importante que justifique a presença de nossos corpinhos físicos.

Na quarentena, descobrimos que, quase sempre, somos muito mais eficientes numa tela quadriculada do que ao vivo, para desespero da moça do café.

E não só os hábitos mudaram, mas novas características de nossas personalidades ficaram evidentes através das reuniões por computador.

Esses novos traços se fazem presentes, inicialmente, pelos invites.

Afinal, se você está em linha com os novos tempos, sabe que é essa a palavra que precisa usar quando quiser se reunir com alguém.

A cada reunião tem sempre alguém que nos lembra como o silêncio é importante

Invite.

Ninguém mais “marca uma reunião”. Todos enviam invites.

É nessa ora que o sujeito do outro lado da tela dá o primeiro sinal de sua persona remota.

Com o invite o indivíduo determina qual plataforma de reunião será utilizada.

Zoom, Meet, Live e até, para os menos fashion, Skype.

Desse último tenho até pena.

O infeliz que ainda usa o Skype é um pária.

Por décadas o pessoal que criou esse aplicativo se empenhou para difundir a ideia das reuniões remotas, num tempo que ainda não estávamos preparados para tamanha revolução.

E justamente quando as reuniões virtuais viraram moda, ninguém mais liga para o Skype. Pobre de quem o utiliza.

Já os que preferem o Zoom são arrojados, livre pensadores. Os do Google Meet são independentes e os que usam o Microsoft Live, sempre se desculpam:

— É que o pessoal aqui na empresa só pode usar o Live, sabe como é…

As reuniões remotas trouxeram outra inovação:

o fim do atraso.

Antigamente, chegar uns dez minutos atrasados a uma reunião era coisa aceitável e facilmente justificável.

Hoje, se você chegar quinze minutos atrasado, corre
o risco da reunião já ter acabado.

Mas, claro, é no momento da reunião que, finalmente, podemos ver mais claramente as novidades que surgiram com essa modalidade de encontros.

Tem os que nunca abrem a câmera, por exemplo.

Ficam lá, escondidos em quadrados cinzas, somente com as iniciais do nome aparecendo na tela.

Não posso deixar de desconfiar que o danado deva estar de pijama, largado na cama, cabelos embaralhados, ramela nos olhos, fingindo estar atento.

Usa sempre a mesma desculpa:

— A internet aqui está péssima, então não vou ligar a câmera, tudo bem?

Tem os que realmente sofrem com uma conexão lenta participando por soquinhos e frases entrecortadas.

Até caírem.

Mas em meio a tanta modernidade, nas reuniões remotas que conhecemos um novo problema.

Um mal moderno que obriga todos os participantes a repetirem a frase que mais se escutou nos últimos dois anos:

— Seu microfone está desligado!

Esse mal poderia se tornar uma nova pandemia e atingir a maioria de nossos políticos, só que na vida real.

Apareceriam em locais públicos, em comícios, em reuniões presenciais e simplesmente não escutaríamos o que têm a dizer.

Aí sim, seríamos felizes para sempre.