28/10/2020 - 12:50
A fotografia nos dá a oportunidade de usar a sensibilidade para eternizar segundos. Sempre digo que somos a coletânea das histórias de nossas vidas e famílias no ambiente no qual vivemos. Ao longo dos séculos, a fotografia tem nos ajudado nessa coleção de memórias, sejam pessoais ou históricas, e o grande mestre dessa transformação foi Henri Cartier-Bresson (1908 – 2004).
Como pioneiro do fotojornalismo moderno, propôs conceitos fascinantes para o registro de ‘momentos decisivos’. Esses instantes mágicos ocorrem quando os elementos visuais e psicológicos das pessoas e da cena na qual elas estão se unem, em perfeita ressonância, para expressar a essência daquela situação. Há quem acredite erroneamente que o propósito único da fotografia é capturar uma imagem, mas essência de cada clique é o que faz com que algumas fotos se tornem verdadeiras obra de arte.
Foi um dos maiores artistas do século 20 e usou sua minúscula câmera Leica de 35 milímetros para dar testemunho humano de muitos dos eventos marcantes do século, como a Guerra Civil Espanhola, revolução chinesa e a ocupação alemã na França durante a Segunda Guerra Mundial. Por quase um século, fotografou personalidades como Henri Matisse, Pierre Bonnard, Georges Braque e Jean-Paul Charles Sartre.
Sua inteligência, lirismo e capacidade de ver a geometria de uma imagem fugaz e capturá-la em um piscar de olhos remodelaram e criaram um padrão para a arte da fotografia, que é utilizado até os dias de hoje. Cartier-Bresson lançou o estilo e milhares de fotógrafos seguiram seus passos, expandindo, revisando e desafiaram seu conceito, sempre em busca do momento perfeito para ser eternizado.
Defendia a ideia de que não há nada neste mundo que não tenha um momento verdadeiramente decisivo. Para ele, fotografar era como criar um desenho instantâneo, reunindo espontaneamente elementos do universo naquela fração de segundo. Suas fotos eram perfeitas, com organização visual impecável por agrupar todos os elementos, linhas, objetos, pessoas e tons, em um equilíbrio perfeito. Fotografias de saltadores de poça eram clichês em 1932, mas Cartier-Bresson trouxe para sua foto mais famosa (Man Jumping the Puddle – 1930) detalhes novos e misteriosos, como a figura de uma dançarina saltitante, um par de pôsteres, um homem misterioso ao fundo, reflexos perfeitos na água, faixas e círculos ondulados, além de um trocadilho entre escada e estação ferroviária.
Sua história começou na pequena cidade de Chanteloup, próxima à Paris. Era o filho mais velho de em uma família rica, mas que tentava viver na simplicidade. Seu pai era um fabricante de tecidos e a família de sua mãe tinha importantes comerciantes de algodão e proprietários de terras na Normandia, onde passou parte de sua infância.
Foi educado em Paris nas melhores escolas, lendo Proust, Dostoievski e Nietzsche. Tinha curiosidade sobre filosofia e apaixonou-se pela pintura e pelo desenho quando era criança (esse hábito o acompanhou até os últimos dias de vida). As pinturas de modelos nuas de Georges Seurat o impactaram profundamente, assim como a beleza das fotos de Martin Munkasci.
Frequentava os mesmos lugares preferidos de artistas como Edgar Degas e Toulouse-Lautrec, mas era jovem e acaba ficando escondido no final da mesa, fora do centro das discussões. Em 1927, Cartier-Bresson começou a estudar pintura com André Lhote, um dos primeiros expoentes do cubismo e um pedagogo admirado. Estudou também literatura e arte inglesa na Universidade de Cambridge. Cartier-Bresson sempre creditou a Lhote os ensinamentos que recebeu sobre fotografia e a disciplina que desenvolveu para ser capaz de produzir fotos com instantaneidade e rigor técnico. Mas sua preparação foi além disso.
Em 1930, foi admitido no exército francês, passando por momentos difíceis como todos os jovens daquela época. Uma vez fora do exército, foi para a África para caçar javalis e antílopes, onde adquiriu a habilidade de se aproximar com ternura e delicadeza. Esse aprendizado foi marcante para sua fotografia. Fazendo uma analogia de uma metralhadora para atirar em perdizes, adquiriu antipatia por equipamentos automáticos e usava uma câmera fotográfica manual para produzir suas fotos.
Começou a percorrer as ruas de Marselha em 1931, com sua primeira Leica, para tentar capturar a essência da cidade e alguma situação de momento. Treinando diariamente, começou a ganhar experiência. Nos anos seguintes, suas fotos já eram comparadas com o mistério das pinturas produzidas por De Chirico. As exposições nacionais e internacionais começaram a acontecer em Madrid, México e Nova York, onde experimentou o cinema e aprendeu sobre a importância da narrativa e do momento expressivo para a arte.
Quando os alemães invadiram a França, Cartier-Bresson tornou-se cabo da Unidade de Filmes, mas foi capturado em junho de 1940 e passou 35 meses em campos de prisioneiros de guerra, uma lição e tanto para um jovem burguês, com ideias surrealistas e sem experiência nenhuma com trabalhos pesados. Chegou a fugir duas vezes, mas foi recapturado. Não desistiu e pacientemente aguardou por um novo momento, assim como fez inúmeras vezes depois com as fotos. Foi bem-sucedido na terceira fuga, escondeu-se em uma fazenda e conseguiu documentos falsos para ir para a França.
Dizia que tudo o que se faz, deveria ter uma relação entre o olho e o coração, chegando ao momento certo com espírito puro. Acreditava que era importante ter tempo para a contemplação, para a reflexão sobre o mundo e para estar com pessoas que amamos, pois ao fotografar pessoas, a aparência interior é ser revelada.
Seu olhar atento, muito profissionalismo e sorte o ajudaram no registro de cenas históricas. Fez, por exemplo, a última foto de Mahatma Gandhi, antes dele ser morto, assim como as imagens de seu funeral, depois veiculadas pela revista Life. Seu foco no trabalho para registro de instantes fez com que fosse criticado por ser indiferente às pessoas. Na realidade, ele tinha uma capacidade para rapidamente sair da cena de trabalho.
Quanto mais pressão tinha, mais frio e focado ele ficava para não banalizar o seu trabalho. Em uma manifestação estudantil em 1968, por exemplo, tirou apenas quatro por hora, sempre procurando ângulos perfeitos e momentos especiais. Em 1947, fundou a Magnum Photos em conjunto com Robert Capa e David Seymour. Nessa época, rodou o mundo e foi para a China, Índia, Indonésia, Egito, Cuba e União Soviética, iniciando uma nova etapa mundial da história da fotografia.
Tinha a capacidade de aprender a partir da experiência dos outros. Certa vez, Edgar Degas disse que era maravilhoso ser famoso e permanecer desconhecido. Após essa dica, Cartier-Bresson tentou ser o mais invisível possível, protegendo sua vida pessoal, usando nas viagens o nome fictício de Hank Carter e evitando sair em fotos que mostrassem seu rosto para conseguir manter ainda um certo anonimato para a fama não prejudicar seu trabalho fotográfico de momentos históricos (que ironia, hein?).
Acalmava-se desenhando. Sempre carregava um pequeno bloco, seguindo o treinamento inicial com Lhote. Seus desenhos de figuras e paisagens foram incentivados por Alberto Giacometti, outro velho amigo. Descrevia o desenho como uma atividade meditativa e a fotografia como intuitiva. A paixão pelo desenho o acompanhou até os últimos anos de vida. Sua esposa, a fotógrafa Martine Franck, descreveu-o ao Dalai Lama como “um budista em turbulência”. Alguém teria uma descrição melhor do que essa para descrever Henri Cartier-Bresson?
Seu trabalho continua vivo e inspirando fotógrafos de todas as partes do planeta por meio da Foundation Henri Cartier-Bresson. Se tiver uma boa história para compartilhar, aguardo sugestões pelo meu Instagram Keka Consiglio, Facebook ou Twitter.