O ano de 2021 já se despede com a aspereza dos tempos bicudos. Embora a pandemia tenha arrefecido nos últimos meses, ela mostrou sua face hedionda e brutal na aurora do ano que finda, ceifando milhares de vida. Por motivos outros, contabilizamos perdas difíceis de digerir, como a da intelectual negra bell hooks, morta no dia 15 aos 69 anos.

Nascida em 25 de setembro de 1952, o nome de batismo de hooks é Gloria Jean Watkins. A escolha do pseudônimo bell hooks foi uma homenagem à bisavó, Bell Blair Hooks, e a opção pelo nome em minúsculas, dizia a própria bell hooks, dava-se em defesa da obra e não do incensamento da autora, algo tão comum em tempos de redes sociais.

Autora, professora, teórica feminista, artista e ativista antirracista estadunidense, como dar boas vindas a 2022 tomando bell hooks como farol?

O que ela tem a dizer ao Brasil e ao mundo, nessa quadra da nossa história? Costumo insistir que bell hooks é mulher dos fundamentos que não gestou apenas um mundo para as mulheres negras, mas pensou e construiu mundos possíveis para todas e todos, livres dos liames excludentes do capitalismo, do racismo, do patriarcado e de todas as formas de discriminação. Identitária ela? Nem de longe! O pensamento pluriversal de bell hooks transita da micro à macropolítica, desvelando camadas do mundo sedimentadas por eixos extremos de diferenciação negativa. Ao desvelar essas camadas aponta para o núcleo das opressões e exclusões, vertebrado pelo racismo e sexismo.

Bell hooks era uma intelectual negra que prestava serviço à humanidade, reinaugurando-a com a fibra da emancipação e da liberdade

A matéria-prima com a qual a autora mobiliza suas reflexões é bruta, desumana, mas a modo pelo qual ela as manipula é amoroso, propositivo, engajado, ético. bell hooks é intelectual negra que presta serviço à humanidade inteira, reinaugurando-a com a fibra da emancipação e da liberdade. Não é à toa que a educação é um dos pilares de seu edifício teórico e ético, não é sem propósito que Paulo Freire foi um dos principais interlocutores.

O ano de 2022 será de muitas efemérides que já nos desafiam nesse 2021 crepuscular: eleições para presidente, bicentenário da Independência e centenário da Semana de Arte Moderna. Será um ano que exigirá de cada um de nós imaginação política para alçarmos voos que nos permitam projetar e desbloquear nosso futuro. Conhecer bell hooks, ler sua obra, honrar seu legado é passo fundamental para que isso aconteça!