BRASILEIROS DO ANO
Erika Hilton – Diversidade

Erika Hilton foi eleita vereadora em São Paulo, mas seu discurso é conhecido no Brasil inteiro. Sua personalidade e eloquência fazem com que pessoas de diversas ideologias parem e prestem atenção as suas palavras. Aos 29 anos – e um ano de mandato –, tem consciência de onde vem a força que a ajuda a suportar os desafios que enfrenta hoje: da infância feliz e saudável ao lado de uma família matriarcal. Mas não foi nada fácil. Aos quinze anos, quando cursava o primeiro ano do ensino médio e “gostava muito das palavras, principalmente de Machado de Assis”, foi expulsa de casa pela mãe, que havia se convertido ao cristianismo pentecostal: ela queria “curar a doença” de Erika. “Não sei quanto tempo fiquei na rua. Tive de me prostituir para sobreviver. Esse período é um borrão para mim”, diz. Foram seis anos até que a mãe a resgatasse, arrependida.

Durante o tempo na faculdade — Erika não chegou a se formar em Gerontologia —, indignou-se com uma empresa de ônibus que se recusara a colocar seu nome social na carteira de transporte. “Nunca sonhei em entrar para a política. Fui intimada a fazer isso para que mulheres iguais a mim pudessem ter voz. É impossível que as pautas que podem formar uma sociedade mais justa sejam ingnoradas”, afirma. Hoje, a vereadora é a primeira mulher negra a presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara de São Paulo. Erika faz barulho – e é impossível ignorar seus avanços, seja na condução da primeira CPI da história do País que investiga a violência contra pessoas trans e travestis, seja evitando o despejo de pessoas em situação de vulnerabilidade durante a pandemia. “Eu me orgulho muito do trabalho que fizemos esse ano”, diz, com os olhos brilhando. No País que mais mata pessoas LGBTQIA+, lideranças como Erika e a cantora Pabllo Vittar têm o importante papel de promover a ideia de que elas existem, são seres humanos e merecem respeito.

Erika Hilton é popular, simpática e, mesmo quando fala sério, deixa escapar um sorriso. Tem mais de meio milhão de seguidores nas redes sociais — os vídeos com suas mensagens e entrevistas são compartilhados por centenas de milhares de pessoas. “Recebo muitas mensagens de jovens que sofrem como eu sofri na adolescência, pedidos de ajuda. Tentamos dar conta de tudo”, diz. Ter em quem se espelhar para levar uma vida digna, sendo quem se é, já seria um bom começo, mas Erika gosta de ir além: vai para cima do governo negacionista do presidente Bolsonaro. “Toda a família do presidente me bloqueou. Eles sabem que a minha eleição também foi um aviso para o Brasil”. Perguntada se sonha em algum dia se candidatar à Presidência da República, ela é humilde: “Ainda estou no meu primeiro ano como vereadora. Mas, imagina só, uma mulher negra e trans como senadora?”, sugere. Se depender da força da diversidade e do seu carisma, nenhum sonho é grande demais.

Presença marcante na internet

Em seu gabinete repleto de arcos-íris, cartazes com mensagens de luta e uma equipe fiel e atuante, Erika diz que não teve nenhum problema com os colegas vereadores por ser uma mulher trans. “Claro que às vezes acontece uma mão na cintura, coisas que toda mulher passa, mas aqui alguns parecem odiar apenas a minha causa”, ironiza. Ao saber que tinha sido escolhida como uma das Brasileiras do Ano pela ISTOÉ, ficou feliz em ver que seu trabalho está dando resultados. Com uma presença marcante não só nos corredores da Câmara Municipal de São Paulo, mas também no ambiente virtual, afirma que até vereadores da oposição querem aparecer às suas custas. Mas a vereadora mais votada do Brasil em 2020, com mais de 50 ml votos, não cai na conversa de gente que quer usar a sua imagem para aparecer: Erika também descarta perguntas preconceituosas sobre sua vida particular e responde à altura – mas sem nunca perder a ternura.