Há 46 anos a cena se repete: a avenida da Liberdade, uma das principais de Lisboa, é tomada pela multidão todos os dias 25 de abril. Trata-se de comemorar a chamada Revolução dos Cravos, promovida pelos militares portugueses em 1974 e que libertou o país do jugo de Marcelo Caetano – ele, na verdade, dera continuidade à ditadura salazarista iniciada em 1933 por António de Oliveira Salazar. Em tempos de pandemia e de quarentena, no entanto, a festa com a população dentro de casa durou toda a semana passada. No dia da revolução, o povo, agradecido ao exército português, saiu distribuindo cravos aos soldados e oficiais. Agora, sem poderem ir às ruas, os cidadãos agitaram flores de suas janelas e, quando uma pequena distância permitia, entregavam cravos aos vizinhos. Mais: todos as noites, também das janelas de suas casas ou apartamentos, as pessoas cantavam “Grândola, Vila Morena”, música que ficou conhecida como o hino de uma revolução na qual não houve violência, nem sangue, nem mortes. Assim iniciou-se o período democrático em Portugal, sepultando o esticado e sofrido tempo de regime de exceção. Bem diferente, nessa época, era a situação política do Brasil. Em 1974 estava-se ainda no auge da ditadura militar, mas também aqui surgiu uma clássica música, assinada pelo gênio de Chico Buarque e logo censurada. Diz um de seus versos: “foi bonita a festa, pá/fiquei contente/ainda guardo renitente um velho cravo para mim/Lá faz primavera, pá/cá estou doente/ manda novamente um cheirinho de alecrim”.

SOCIEDADE
A pandemia do lixo hospitalar

Se já não bastasse um inimigo invisível a ser combatido, os lixos hospitalares podem crescer até quatro vezes no Brasil. Sem pandemia, 253 mil toneladas de resíduos são produzidas ao longo de um ano em todo o País. Depois da chegada do novo coronavírus, esse número deve chegar à casa de um milhão de toneladas. São esses os registros oficiais. Só que as UTIs estão lotadas e muitos doentes morrem em casa — o material utilizado, e que igualmente se torna lixo, sequer é contabilizado. Como o Brasil coleciona problemas, a nossa capacidade máxima de processar lixo hospitalar é de 480 mil toneladas por ano. Sobrará lixo altamente perigoso sem ser processado.

480 mil de lixo hospitalar é quanto o Brasil consegue processar em um ano. Com a pandemia, tal lixo pode chegar a 1 milhão  de toneladas

DIREITOS HUMANOS
Agora é oficial: militares do Exército mataram o músico

MAURO PIMENTEL

O ex-comandante do Exército general Eduardo Villas Bôas tinha razão quando dizia que tropas militares não devem subir morro e descer morro atrás de traficantes. Ele temia excessos, inocentes mortos e nóduas na instituição. Acertou. Prova disso foi a operação do Exército na favela do Muniço, no Rio de Janeiro, em que oficiais dispararam oitenta tiros contra o carro de uma família que retornava de um chá de bebê. O músico Evaldo Rosa morreu e, onze dias depois, o catador de recicláveis Luciano Macedo, que tentara salvar a vida de Evaldo, foi assassinado.

A ilicitude da operação está agora confirmada pelo MP. Desde a semana passada é oficial: não havia decreto de GLO para patrulhamento na região. Mais: ficou também comprovado que um dia depois da ação (8 de abril de 2019) o Comando Militar faltou com a verdade ao dizer que o Exército cumpria patrulhamento regular na região. O último decreto de GLO no Rio de Janeiro venceu em dezembro de 2018.

SOLIDARIEDADE
Aglomeração. Mas de cartas

Já que a quarentena deve ser respeitada, improvisa-se outro tipo de “aglomeração” que mantenha as pessoas unidas. Exemplo disso é a espetacular “aglomeração” de cartas e cartões na Bedford School, na Inglaterra. Os salões, antes lotados de alunos, agora estão tomados por montanhas de cartões de aniversário. O veterano de guerra Tom Moore completou um século de vida na quinta-feira 30. A efeméride já era motivo para uma bela homenagem a esse homem que recebeu a tradicional carta da rainha Elizabeth II que assim procede sempre que alguém faz cem anos no país. A comoção aumentou porque Moore conseguiu arrecadar R$ 130 milhões para o Sistema Nacional de Saúde do Reino Unido. Em troca ganhou afeto concretizado em sessenta e cinco mil cartas.

RELIGIÃO
Ramadã em lives

Amanda Perobelli

Diferentemente do que os muçulmanos imaginavam para o esperado e sagrado mês do Ramadã, nele não haverá, esse ano, confraternizações físicas. Culpa da pandemia. O único contato dos fiéis com o templo será por meio de lives. Quanto aos outros cuidados essenciais para o combate ao vírus, os muçulmanos já estavam acostumados. A ablução, ritual em que eles lavam mãos, pés, rosto e cabeça, existe desde o surgimento da religião. E nessa rotina o coronavírus não interfere.

SEGURANÇA PÚBLICA
Arma sem rastro

Se corpos já são enterrados sem que haja respostas básicas da polícia — como, por exemplo, quem matou, por que matou e qual arma utilizou —, agora essa prática se tornará mais usual ainda. O general Eugênio Pacelli Vieira Mota foi exonerado do cargo na semana passada, pouco depois de ter editado uma portaria na qual defendia mecanismos que facilitam o rastreamento de armamentos e munições. Jair Bolsonaro, obviamente, revogou a portaria e demitiu o general pelo Twitter — só depois ela foi publicada no “Diário Oficial”. Viera Motta caiu porque Bolsonaro não quer nada que dificulte o acesso de pessoas a armas.