A imagem da Champs-Elysees, a mais famosa avenida de Paris, cheia de bicicletas para lá e para cá — não só aos domingos, mas durante a semana inteira — vem se tornando cada vez mais real. Especialmente depois da reeleição da socialista Anne Hidalgo para o cargo de prefeita, no final de junho. Seu ousado plano, avalizado pelos eleitores, inclui transformar a capital francesa em uma cidade de apenas 15 minutos. É o tempo considerado necessário no deslocamento para ir às compras, trabalhar ou passear. E tudo em cima de uma bicicleta, claro. O que antes era apenas um plano de sustentabilidade para combater o efeito estufa, ganha força agora diante da reabertura econômica no pós-pandemia, com a necessidade de distanciamento social e redução de aglomeração no transporte público.

Em seu primeiro mandato, iniciado em 2014, Anne conseguiu ampliar o número de ciclovias em 1.000 quilômetros, o que já permite atravessar a cidade intercalando trechos às margens do rio Sena, faixas em avenidas largas e também percursos em ruas mais estreitas. Tudo isso, inclusive, se mostrou muito útil durante a greve dos transportes em dezembro, e ganhou ainda mais relevância como solução de mobilidade por causa da Covid-19. Neste período, foram instaladas até mesmo faixas temporárias para as bikes que agora devem se tornar permanentes. Além disso, foi criada uma linha de empréstimo no valor de 400 euros (R$ 2,5 mil) para incentivar a aquisição de bicicletas elétricas, que custam mais de 1.000 euros. Mas Anne quer ir além. Planeja abrir espaços por todas as ruas da cidade, aptas a receber bicicletas, retirando 72% das vagas de estacionamento. Está nos planos ainda a redução da velocidade dos automóveis, ampliando a segurança dos ciclistas. A meta é trocar ruas engarrafadas por uma cidade onde se consegue circular de forma rápida, fácil e segura.

NO PEDAL Reeleita em junho, Anne Hidalgo ampliou ciclovias e deu incentivos para ciclistas: empréstimos serão concedidos a quem quiser comprar uma bike elétrica (Crédito:AP Photo/Christophe Ena)

Segundo a cicloativista Renata Falzoni, o que Paris está fazendo é pensar efetivamente na mobilidade de uma grande cidade, onde mais de 60% das pessoas se movimentam de forma ativa, ou seja, a pé, bicicleta ou transporte público. Com o forte compromisso de tornar-se cada vez mais sustentável, vários países da Europa já buscam soluções para o transporte, o que inclui o incentivo ao uso da bicicleta. Depois da disseminação da Covid-19, as bikes ganharam um novo apelo e vem se firmando como a grande alternativa à lotação do transporte público. “Talvez a pandemia traga isso de bom para toda a sociedade”, afirma Falzoni, frisando que São Paulo poderia também levar isso em consideração. “Aqui, toda vez que se pensa em transporte, se concentram no carro, que é usado por uma minoria”, acrescenta.

Ao que tudo indica, a própria sociedade já está começando a se mexer nesse sentido, mesmo sem decisão do poder público. Um site de compra e venda de bicicletas e acessórios para ciclistas, o Semexe, disse recentemente que viu seu faturamento surpreendentemente subir 223% entre março e maio deste ano. A pandemia teria levado muitas pessoas a buscar os produtos como forma de fugir do transporte público e, ao mesmo tempo, praticar exercícios físicos de forma mais segura. A Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike), que reúne empresas e membros da sociedade, lançou até um manifesto pedindo que haja ampliação de ciclovias, redução de impostos sobre bicicletas, além de criar um programa de fortalecimento da economia verde. Talvez seja este o melhor momento, antes de uma eleição municipal, para que gestores percebam que está na hora de mudar o foco na questão da mobilidade, incluindo de vez as bicicletas nos planos de transporte e mobilidade urbana. Seguir o exemplo de Paris pode ser interessante para qualquer grande cidade do mundo.

Talvez a pandemia traga isso de bom para toda a sociedade. Seria ideal que os gestores brasileiros também percebessem isso” Renata Falzoni, cicloativista