ESTRATÉGIA Convite com QR Code para confirmação de presença: luxo e mistério para atrair atenções (Crédito:Divulgação)

Brasil está prestes a repetir, na eleição presidencial de 2022, aquilo que fez na de 2018. Lá atrás, o eleitor caiu na lábia de um demagogo populista que se chama Jair Bolsonaro. Deu ruim, ele vem tentando dar um golpe e eternizar-se no poder. Pela mesma trilha do populismo, ao que tudo indica o povo se deixará seduzir esse ano por Luiz Inácio Lula da Silva. Em relação a ele, já se sabe a corrupção que aconteceu em mandatos anteriores. Quais as razões desse arriscado movimento pendular sobre conhecidos precipícios? Vejamos algumas delas.

A desesperança e o sofrimento de uma sociedade levam-na muitas vezes, por mais contraditório que possa parecer, a reprisar o comportamento na tentativa de provar a si mesma, algum dia, que esteve certa na insistência. Dos tecidos sociais medram os temperamentos nas nações, e esse é o temperamento brasileiro. Assim como diante do mistério do inexplicável nasce a fé, da admiração política sem crítica nasce a paixão. Nesse caso, ela, a paixão, se torna até histeria se o candidato da vez amargou algum pesado sofrimento. Em 2018, Bolsonaro teve o calvário de uma facada no ventre a enaltecê-lo junto ao eleitor; em 2022, Lula tem o calvário da prisão a instar o voto. Resumindo: pelas terras de Pindorama, por pior que seja o político, basta-lhe um calvário para ser eleito.

Bolsonaro fazia campanha na cidade mineira de Juiz de Fora quando um celerado enfiou-lhe uma faca no abdômen. Recuperando-se no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, assim que pôde conversar o capitão disse que tinha uma “missão” e que era o “paladino da justiça”. Faltava, porém, o definitivo apelo de campanha. Ele o fez: “dói muito!”. Pronto: a facada o canonizou juntou aos eleitores. Antes, era um candidato meio pitoresco; após o fato passou a ser visto como salvador da pátria. Também Lula tem um martírio para chamar de seu, e isso o recoloca nos braços do povo – ah, os braços do povo que já foram de Getúlio Vargas, os braços do povo que já foram de Luiz Carlos Prestes, os braços do povo que já foram de Tenório Cavalcante e sua “Lurdinha”, os braços do povo que já foram de Carlos Lacerda, os braços do povo que já foram de Jânio Quadros, para citar apenas alguns populistas carregados pela multidão. Para Lula, porém, os braços do povo vêm fortalecidos agora pela simbologia política de um casamento em plena largada da campanha eleitoral.

Onde está dom sebastião?

Lula pode ser definido, no mínimo, como um personagem sui generis na política nacional. Do céu para o chão e do chão para o céu, cai ou voa sem constrangimentos. Migrou ainda criança com a família, da pernambucana Garanhuns para São Paulo. Vieram de pau de arara, vendendo o almoço para comprar o jantar. Ele cresceu fugindo dos livros e correndo atrás de bola, tornou-se metalúrgico e líder sindicalista, fez-se a mais forte liderança do PT. Elegeu-se deputado federal, perdeu três eleições para a Presidência da República, insistiu porque é obstinado, até que subiu a rampa do Palácio do Planalto por duas vezes consecutivas. Foi condenado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, esteve preso entre 2017 e 2019, encarcerado a morte lhe tomou um irmão e um neto. O Poder Judiciário anulou os processos e aí está ele liderando as pesquisas desse ano – o sofrimento da prisão o santificou para os eleitores e, é claro, jamais se viu (nem os filósofos gregos viram) a metanoia ocorrer tão rapidamente em um presidiário. Só rindo!

FOTO E ARMINHAS Bolsonaro, na UTI, após sofrer atentado: utilização política da dor com olhos no Planalto (Crédito:Divulgação)

Na quarta-feira 18, em São Paulo, em uma elegante casa de eventos da zona sul, houve o casório do pré-candidato petista com a socióloga Rosângela Silva, 56 anos (20 menos que ele), apelidada Janja. A união de ambos, no religioso e civil, traduz-se no campo eleitoreiro, simbolicamente, como a festa da redenção – para isso os noivos a conceberam e, assim, eles conseguem a capitalização política, disfarçada de meiguice, que ajuda Lula na captura de votos. Há nesse ato, inegavelmente, um simbolismo político que começa pelo mistério que cercou a cerimônia, aguçando a curiosidade dos mortais. Passa a imagem de um Lula respeitador de tradições para uma sociedade conservadora feito a brasileira, e Lula-família dá prestígio nas urnas. Tudo bem calculado. O amor é lindo!

Seja em uma comunidade ou em bairro nobre, o que mais rende falação é o vestido da noiva. Pois bem, ele foi presente da consagrada estilista Helô Rocha (se fosse pago, lá se iriam, no mínimo, R$ 250 mil). Vestido longo, de organza à base de seda, cor off white (branco levemente amarelado), inspirado no artesanato do Rio Grande do Norte — foi bordado pelas rendeiras da região potiguar de Timbaúba do Batista. Quanto aos 200 convites, gente, foi operação de guerra! Neles havia até QR Code para confirmação da presença. Próximo das 18 horas, somente aí cada conviva soube o local exato do evento. E ninguém pôde entrar no recinto com celular. A principal estrela, entre os convidados, seria o antigo amigo Chico Buarque, mas ele e sua esposa não compareceram porque estão na Europa. Entre os petistas, bem poucos camaradas da velha guarda ou da cúpula do partido foram chamados. E as bebidas? Vamos lá: Cave Geisse Brut, Freixenet Sauvignon, Perro Callejero Blend de Malbec e Heineken. Lula trajou terno azul escuro, sem gravata. Todo mundo saiu com lembrancinha artesanal, na qual se lê: “o amor venceu”.

Entre calvários e casamento ruma o País para a eleição presidencial e há algo de messiânico no ar. Quem tiver gosto em vasculhar a história do messianismo descobrirá que a sua presença na política nacional está distante no tempo, está lá em meados do século 16, está lá na batalha de Alcácer-Quibir. Nela, desapareceu o rei de Portugal Dom Sebastião. Nasceu daí o Sebastianismo, crença de que ele voltará para resolver todas as mazelas. E nasceram, assim, os salvadores da pátria. Detalhe: o Sebastianismo é conhecido também como O Mito do Encoberto. Bastante sugestivo, não é?