Ao meio-dia da quinta-feira 14, Rússia e Arábia Saudita entram em campo no Estádio Luzhniki, em Moscou, para a primeira partida da Copa do Mundo FIFA 2018. É a terceira Copa seguida sediada em um país pertencente aos BRICS – nações que na primeira década do século 21 eram apontadas como a locomotiva de um novo ciclo de prosperidade da economia global. Dos cinco países do grupo, apenas a Índia ainda permanece de fora de um grande evento esportivo internacional. A China sediou a Olimpíada de Pequim, em 2008. A África do Sul foi o país da Copa de 2010. O Brasil teve o mundial de futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos do Rio, em 2016. Agora é a vez de a Rússia mostrar que pode fazer a grande festa para o esporte mais popular do planeta.

A festa da bola em solo russo
Divulgação

Assim como nos dois mundiais anteriores, a preparação russa enfrentou problemas que parecem colocar em campo muito mais dúvidas sobre o modelo de negócio que envolve o torneio do que certezas sobre os resultados. Obras atrasadas, denúncias de desvios e estádios condenados a virar elefantes brancos antes mesmo de a bola rolar pela primeira vez mostram que a grandiosidade de um evento “padrão FIFA” pode criar mais transtornos que vantagens para o país sede. A Rússia construiu ou reformou 12 estádios para a Copa, em um investimento estimado em US$ 11 bilhões — dinheiro cujo retorno é difícil estimar. Mas nada disso parece importar quando o árbitro apita o início da primeira partida. Com a bola rolando e as emoções à flor da pele para bilhões de torcedores de todo o planeta — até mesmo em países que não participam da competição —, uma Copa do Mundo é um momento de pura magia. E, ao contrário do que ocorreu em edições anteriores, este é o mundial com mais favoritos para erguer a taça. A Seleção Brasileira chega com força ao páreo, ao lado de Alemanha, França, Espanha e Argentina. Juntas, as cinco seleções conquistaram 13 das 20 Copas do Mundo já disputadas. A tetracampeã Itália é o grande desfalque na Rússia.

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TUDO PRONTO Palco da abertura e da final da Copa, em Moscou: obras a custo elevado e risco de que alguns estádios se tornem elefantes brancos (Crédito:Divulgação)

O Estádio Olímpico de Luzhniki, que abre o torneio, é o mesmo que sediou parte da Olimpíada de Moscou em 1980, marcada pelo boicote dos Estados Unidos. Naquele ano, durante a cerimônia de encerramento, o ursinho Misha, mascote dos jogos, encantou o mundo ao verter uma lágrima. Desta vez, o lobo Zabivaka, que em russo significa “’aquele que marca o gol”, é quem dará boas-vindas às 32 seleções e aos torcedores. Antes chamado Estádio Central Lênin, Luzhniki tem 81 mil assentos e será palco de sete disputas durante a Copa, incluindo a final. Em março, foi aprovado em um teste de segurança – uma das preocupações da FIFA –, ao receber o amistoso em que a Seleção Brasileira derrotou o time anfitrião pelo placar de 3 x 0. O jogo também serviu para que o técnico Tite (leia quadro em destaque) pudesse definir a equipe que entra em campo contra a Suíça, no domingo 17, às 15h, na Arena Rostov, projetada para receber 45 mil torcedores.

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Aquecimento

A uma semana da bola rolar, a tradicionalmente gélida Moscou começou a entrar no clima de aquecimento para o início da festa. Esperava-se que os turistas invadissem a Rússia, especialmente Moscou, a partir do final de semana. E que, com eles, chegasse a animação que falta à cidade. A seleção local não vence desde outubro passado. Até agora, as festividades têm se resumido a eventos oficiais, à decoração da Praça Vermelha e a alguns símbolos de grandes heróis do futebol russo, como o goleiro Lev Yashin (1929-1990), espalhadas pela cidade. Uma das maiores celebrações aconteceu no domingo 4, com a chegada da taça a Moscou, carregada pelo ex-jogador Lothar Matthäus, campeão com a Alemanha em 1990.

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ENTROSADOS Jogadores comemoram gol em amistoso: time chega com chance de título e torcida é a terceira maior da Copa (Crédito:Reuters/Andrew Boyers)

Até a sexta-feira 8, apenas quatro seleções haviam chegado: Irã, Panamá, Tunísia e Espanha. Segundo o cronograma da FIFA, Portugal, Arábia Saudita e Islândia chegam no sábado 9. O Brasil desembarca em Sochi apenas na segunda-feira 11. A torcida brasileira, tradicionalmente uma das mais entusiasmadas em qualquer Copa, também viajará em peso para Rússia. O País é o terceiro que mais comprou ingressos para os jogos, atrás apenas dos anfitriões e dos Estados Unidos.

A preparação para receber os turistas envolveu uma série de medidas de segurança para conter qualquer manifestação violenta, inclusive dos próprios “hooligans” russos. Desde maio de 2017 a lista de medidas inclui restrições à venda de armas e produtos químicos perigosos e ao consumo e venda de álcool. Durante um período de dois meses, já em vigor, qualquer evento público que não for relacionado ao futebol em cidades-sede deverá ter, além da aprovação da polícia e das autoridades locais, o aval do serviço secreto russo, o FSB, sucessor da antiga KGB. A segurança em estações de metrô, de trem e aeroportos foi reforçada. Precauções também foram tomadas para diminuir o risco de ataques de hackers.

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Enquanto a turma que decidiu assistir aos jogos de perto levará toda a animação para os estádios e cidades russas, o mesmo não se pode dizer dos brasileiros que pretendem acompanhar as partidas pela televisão. A menos de uma semana da Copa, a tradicional vibração com a proximidade dos jogos dava lugar a uma incomum — e estranha — apatia. A falta de empolgação não se limitava à ausência de bandeiras e de ruas pintadas de verde e amarelo. Uma pesquisa da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV DAPP) monitorou entre os dias 29 de maio e 5 de junho as menções no Twitter sobre dois temas: Copa e política. Foram 2,3 milhões de menções ao mundial e à Seleção Brasileira, contra 4,8 milhões referentes aos pré-candidatos à Presidência, à greve dos caminhoneiros, ao desemprego, à corrupção e às eleições de outubro. Ainda que não seja o assunto que mais atraia os brasileiros, o time que conta com Neymar — uma das estrelas do mundial, ao lado de Messi e Cristiano Ronaldo — tem tudo para fazer bonito na Rússia.

O maestro Tite

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Stefano Martini

Adenor Bachi, 57 anos, não levantou nenhum troféu com a Seleção Brasileira de futebol. Mesmo assim é um dos técnicos mais idolatrados e respeitados pela torcida e pela imprensa esportiva. Sua grande obra foi juntar os escombros de um time que não conseguia superar o trauma da goleada de 7 a 1, sofrida contra a Alemanha na última Copa. O que ele promoveu foi uma profunda e rápida mudança de mentalidade assim que substituiu Dunga, em 2016. O Brasil amargava uma humilhante sexta colocação nas Eliminatórias da Copa e corria o risco de não se classificar. Oito jogos e oito vitórias depois o Brasil era o primeiro colocado. Com Tite, o Brasil jogou 21 partidas. Venceu 16, empatou três e sofreu apenas uma derrota: 1 a 0 para a Argentina, em um amistoso.

“O fator mais importante foi resgatar o nível de confiança da equipe e dos atletas individualmente, para que eles pudessem ter a mesma produção que têm em seus clubes. Isso foi o principal”, afirmou Tite à ISTOÉ. O segredo para isso parece estar na transparência e no diálogo. Antes de estrategista ele se apresenta como um conselheiro, inspirando confiança e mostrando claramente o que deseja de cada um em campo. A prova está em Neymar. Com Tite, o craque anotou seis vezes, ficando atrás apenas da aposta Gabriel Jesus. O trabalho do técnico – até agora – é impecável.