PEQUENO E INSUFICIENTE
O microtubo com sangue: Elizabeth Holmes e a atração fake nas palestras
a potenciais investidores (Crédito:Divulgação)

Elizabeth Holmes viveu uma grande mentira por 15 anos. Não foi uma mentira inofensiva. Foi algo que movimentou bilhões de dólares e prejudicou a vida de muitas e muitas pessoas. Essa americana de 38 anos fundou uma empresa em 2003, mais uma start-up no Vale do Silício. Não demorou muito para apresentar sua proposta de criar um novo método para exames de sangue. que permitisse a realização de vários hemogramas com uma quantidade mínima de sangue do paciente. Conseguiria fazer até 200 hemogramas diferentes com uma amostra. A proposta era revolucionária, iria mexer muito com o mercado de análises clínicas e ajudar pessoas que não gostam de ceder várias ampolas de sangue quando precisam realizar muitos exames. Não deu certo. Na última sexta-feira, dia 18, ela foi condenada a 11 anos de detenção, que devem ser acrescidos de mais três anos de prisão domiciliar. A ex-empresária foi considerada culpada em quatro das 11 acusações apresentadas contra ela por fraude e conspiração.

Em 2003, aos 19 anos, Holmes deixou o curso de bioquímica na Universidade Stanford para criar a Theranos, empresa de laboratórios de exames clínicos, associada a Ramesh Sunny Balwani, que seria seu parceiro nas duas décadas seguintes. Logo ela apresentou ao público sua proposta revolucionária: a criação de um processo e dos aparelhos necessários a ele para que, com uma pequena amostra de sangue, fosse possível realizar muitos exames. Ela sabia como vender seu peixe. Jovem, loira e bonita, adotava estratégias de seu ídolo, Steve Jobs. Até nas roupas. Ela aparecia em público usando o mesmo visual do dono da Apple, com calça jenas e a blusa preta de mangas compridas e gola até o pescoço. Como Jobs, transformava suas apresentações em eventos midiáticos, com muita simpatia e noção do que é o show business.

Sua start-up começou a ser comentada e o ritmo de adesão de investidores foi muito rápido. Ela conseguiu gente de peso para embarcar nessa história, inclusive nomes muito importantes na política americana, como o ex-secretário de Estado Henry Kissinger e o ex-secretário de Defesa James Mattis. Um de seus maiores investidores era o bilionário da mídia Rupert Murdoch. Mas, enquanto a Apple apresentava um produto novo atrás do outro, a discípula de Jobs não conseguia fazer seu método revolucionário sair do papel. Enquanto isso, a cooptação de investidores prosseguia. Ela passou a forjar relatórios sobre o desenvolvimento dos equipamentos e em 2014 sua empresa chegou a um absurdo valor de mercado de US$ 10 bilhões. Holmes se tornava então a primeira mulher a se tornar bilionária sem ter recebido uma herança. Curiosamente, ela é filha de Christian Rasmus Holmes IV, um poderoso executivo da gigante de energia Enron que perdeu tudo ao ser condenado por fraude quando sua filha era adolescente.

“A pior coisa no mundo é ver que alguém não está acreditando no que você diz!” Elizabeth Holmes, durante uma palestra em 2009

A farsa ganhou contornos cinematográficos. Além de forjar documentos sobre o andamento da empresa, ela passou a realizar exames enviando o material para laboratórios convencionais, contratados com valores acima do mercado para manter tudo em sigilo. Empregava funcionários por altos salários, que logo percebiam toda a falcatrua, mas, satisfeitos com a remuneração, seguiam na empresa. O castelo de cartas começou a ruir em 2015, quando o repórter John Carreyrou publicou no Wall Street Journal a primeira reportagem questionando a existência do novo método de exames. Ele apontava que pacientes estavam recebendo resultados distorcidos de exames relacionados a HIV e câncer. Durante mais de dois anos, a empresária rebateu as acusações. A casa caiu no final de 2017 e tudo foi revelado. O julgamento de Elizabeth Holmes começou em julho de 2021, e ela foi considerada culpada em janeiro deste ano. Na última sexta-feira, dia 18, compareceu ao tribunal e ouviu a sentença da qual os seus advogados estão recorrendo. As chances de qualquer alteração são mínimas. Sua equipe de defesa armou várias estratégias que não deram certo. Durante o julgamento, tentaram levar para o caso uma narrativa de discriminação por gênero, alegando que sua cliente estava sofrendo aquele processo por ser mulher. Em outra estratégia frustrada, quiseram ressaltar que Holmes não tinha intenção de ganhar dinheiro, mas sim ajudar as pessoas, que sua preocupação com a invenção de um novo método para exames de sangue era uma legítima preocupação com a humanidade. Na última segunda-feira, ela anunciou que está grávida do segundo filho.

PARCEIROS NO CRIME Amanda Seyfried e Naveen Andrews: eles interpretam Elizabeth Holmes e Sunny Balwani na série The Dropout (Crédito:Divulgação)

Uma história dessas é material irresistível para ser transformando em filme ou série. No caso de Elizabeth Holmes, as duas coisas. Já foram produzidos e exibidos o documentário The Inventor: Out for Blood in Silicon Valley (2019), de Alex Gibney, e a série dramatizada The Dropout, disponível hoje no Disney+, que consegue fazer entretenimento a partir da saga de Holmes, interpretada porAmanda Seyfried, de Os Miseráveis e Mamma Mia!. Os relatos do julgamento e essas duas produções nas telas vão preservar esse caso, que foi um marco para as start-ups nos Estados Unidos. Depois da grande farsa de Elizabeth Holmes, os investimentos em empresas que não conseguem justificar seu desenvolvimento praticamente desapareceram. Demorou, mas o Vale do Silício está deixando de acreditar em pessoas simpáticas com discursos visionários que não se sustentam.