Infográfico: Nilson Cardoso

Todo jogo justo tem como princípio regras conhecidas por todos os participantes. Caso contrário, o resultado do jogo pode ser imoral. É exatamente o que ocorre nas eleições dos senadores brasileiros. Diferentemente de todos os cargos eletivos, os senadores são eleitos juntamente com dois suplentes que não aparecem nas campanhas eleitorais ou nas urnas. Devidamente escondidos, eles abrem margem para todo o tipo de artimanha. As mais postas em prática pelos senadores são a indicação de familiares e dos financiadores das campanhas. Quando se trata de um familiar, a situação fica mais escancarada. Os financiadores são mais difíceis de serem apontados. O debate sobre o tema foi reaberto pelo senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado com dinheiro na cueca pela Polícia Federal. O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou o afastamento do senador por 90 dias e ele corria o risco de ter seu mandato cassado, possibilitando uma nova eleição para a sua vaga. No entanto, o senador foi perspicaz e pediu afastamento de 121 dias, o suficiente para que o seu filho e primeiro suplente, Pedro Arthur, assumisse o posto no Senado, mantendo na família todas as benesses do cargo. Pesa contra Pedro Arthur acusações de participar do esquema de corrupção no qual o pai é investigado. O senador Flávio Arns (Podemos-PR) entende que o caso desmoraliza o Senado: “A sociedade, com toda razão, repudia este escárnio na política”.

A prática, contudo, é mais comum do que se imagina. Nada menos do que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), é outro mau exemplo, que indicou como suplente o seu irmão José Samuel Alcolumbre para a primeira suplência. Sandra Braga, mulher do senador Eduardo Braga (MDB-AM), foi agraciada com a suplência do marido. Ela, inclusive, já assumiu a vaga no período em que o senador foi ministro de Minas e Energia, entre 2015 e 2016. A mãe do senador Ciro Nogueira (PP-PI), Eliane Nogueira, é outra na lista de nepotismo no Senado.

No Senado, há uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) parada na Câmara que trata do tema. De autoria do ex-senador Sibá Machado (PT-AC), a PEC 287/13 diminui a suplência de duas para uma e proíbe cônjuges, parentes consanguíneos em até segundo grau. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) entende que o nepotismo precisa ser eliminado já nas eleições de 2022. “Suplência dada a parentes, infelizmente, trata-se de prática comum”, disse o senador.

“No meu caso, quem escolheu o suplente foi o meu partido numa extorsão em 2018 ” – Styvenson Valentim, senador (Podemos-RN) (Crédito:Divulgação)

Eleitos com mandatos de oito anos, os senadores podem sair do cargo por inúmeros motivos. É possível que sejam eleitos em outros postos, como prefeito ou governador e deixem suplentes em seus lugares. O cientista político Rubens Figueiredo acredita que a suplência “deturpa a vontade do eleitor”, que desconhece o sucessor do senador. Figueiredo entende que as regras deveriam ser iguais à dos deputados. No impedimento de continuidade do mandato, seja por qual fosse o motivo, assumiria o próximo mais bem votado. “A solução é acabar com a suplência”, conclui o cientista político. O senador Paulo Paim (PT-RS) também pensa parecido. “Os partidos que deveriam lançar seus candidatos ao Senado e os mais votados serem os eleitos. Automaticamente, o segundo e terceiro mais bem votados, seriam os suplentes”.

Bem relacionado

Outro fato que chamou a atenção na questão da suplência no Senado foi a morte de Arolde de Oliveira (PSD-RJ) por Covid-19, na semana passada. Seu suplente é o advogado Carlos Portinho. A boa medida da falta de representatividade do advogado, e agora senador, é baseada pelo resultado obtido na eleição de 2016. Portinho não conseguiu ser eleito nem vereador no Rio de Janeiro. Sem nunca ter ocupado um cargo eletivo ele foi alçado diretamente ao cargo de senador. No entanto, as boas relações do advogado já o colocaram em posição de destaque como secretário de Habitação na Prefeitura do Rio em 2015 e secretário estadual do Meio Ambiente de 2014 a 2015.

A farra dos suplentes é tamanha que há denúncias de que o cargo é negociado diretamente com os financiadores das campanhas. O senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) conta que esse foi o seu caso. Valentim informou que quando não se trata de familiar, o suplente é aquele que “banca a campanha”, quem tem muito recurso. “No meu caso, eu não escolhi o meu suplente. Foi o meu partido. Fui vítima de uma extorsão feita pelo meu partido, em 2018. Disseram que só me dariam a legenda, se eu deixasse escolhessem a primeira suplência”. As dinastias e os favorecimentos empresariais são habituais na política brasileira. O Senado, segundo o cientista político Rubens Figueiredo, “é formado por grandes caciques de cada partido”. Isso está longe de acabar. A farsa da suplência é apenas uma amostra da falta de uma reforma política séria, que nunca acontece.