Hábitos correntes e consequentes entre políticos que buscam escamotear seus ganhos paralelos e o patrimônio acumulado, sempre em rápida ascensão, nem sempre de maneira lícita, enquanto se deleitam no poder: movimentar dinheiro vivo, subvalorizar imóveis e bens, na prática esconder do fisco, e dos olhos da lei, jogadas financeiras dificilmente comprováveis ou explicáveis, que desejam manter livres do peso de impostos, guardar no bolso, na cueca, na mala, fora da vista alheia. Na roldana da história política nacional é até enfadonho relembrar quantos já foram pilhados em flagrante nessa sarabanda do submundo da bufunfa. O expediente baixo, voluntarioso e tedioso só consegue ser desvelado após investigações cirúrgicas. São elas que arrancam das entranhas do sistema entulhos e mais entulhos dos malfeitos notórios, ardilosamente jogados para debaixo do tapete antes de finalmente expostos em praça pública. Quando desfraldado o delito, o espertalhão da vez repete a ladainha de alegar que nada sabia ou fez de errado. Roteiro previsível. Todo brasileiro deve ter assistido à reprise inúmeras vezes. Muitos desistiram de acompanhar ou de se surpreender. Mas eis que lentamente vem se desenrolando um capítulo palpitante da série, com protagonistas da mais alta patente do clã Bolsonaro, em um enredo no qual o primeiro filho do impoluto capitão, Flávio das rachadinhas, faz o papel principal, tal qual um “capo di tutti capi”, atuando em cenas bizarras, como a de mostrar que tinha “umas coisinhas lá em casa” logo usadas para comprar imóvel de luxo no aprazível reduto carioca da Barra da Tijuca. Flavinho usou o tutu cash também para adquirir salas comerciais, para pagar contas de casa, escolas dos filhos, coisinhas aqui e ali. Para não fugir a regra, Flávio número Um, convenientemente, se esqueceu dos depósitos paralelos do amigo dileto, assessor e motorista Queiroz, que lhe prestava vassalagem e, como atravessador, promovia as necessárias traficâncias financeiras nas traquinagens de um laranjal ainda não totalmente desvendado. Também pudera não se descobrir quase nada em meio às laranjas do pomar bolsonarista. O que papai tem feito de injunções para evitar o flagrante das desventuras do pimpolho Flávio é algo digno de filme. De tudo um pouco. De órgão financeiro como o Coaf tendo a atividade transferida de esfera para evitar projeção e receber maior controle dos dados divulgados aos acordos com o titular da Suprema Corte para postergar averiguações, estendendo sem fim o caso em banho-maria. Até o procurador-geral da República, Augusto Aras, vem sendo solicitado em papel muito parecido ao de um advogado particular. A esbórnia não estaria completa se outros membros da soberana família também não participassem do rateio. E eis que a atual mulher, Michelle, e mesmo a ex-mulher Rogéria — numa suprema generosidade bolsonarista — também meteram a mão na cumbuca para seus gastos e deleites. A primeira-dama recebeu nada menos que 27 depósitos diretos em conta, quase como um mensalinho pessoal — adivinha de quem? Dele, é claro, o sempre prestativo Queiroz, o homem pronto a socorrer a família nas horas de aperto e que arrecadou nada menos que R$ 6 milhões em, sabe-se lá, quantas operações paralelas, ainda em investigação pela polícia. Mas deixemos isso de lado. Vamos nos atentar a Flávio. O tempo passa, os métodos evoluem, mas o trêfego vai e vem do dinheiro fácil, tomado em parcelas de assessores a quem deu guarida no gabinete, seria capaz de enrubescer até os mais sagazes donos do poder. Muitos são adeptos daquele modelo capital de políticos com predileção vertiginosa por pedágios para suas boas ações. Mas Flávio exibiu qualidades invulgares para montar o esquema de sua arrecadação. Meteu no meio até notórios pistoleiros e milicianos, que lhe davam cheques em troca de emprego de parentes. O pé de meia foi rapidamente engordado. Nos depósitos, cada dia em maior número, para Flavio, Michelle, Rogéria & Cia., se desfralda aos poucos a natureza dos velados delitos, escambos inexplicáveis, sombras na atuação desses personagens que soturnamente buscam se locupletar nas brechas do Estado. E cabe a pergunta: não era da família Bolsonaro a ideia de combate intransigente e firme à corrupção? O clã não levou para lá o juiz Sergio Moro com o intuito de moralizar o serviço público? Hoje é sabido, não passava de mera fachada, em uma artimanha já manjada para vencer eleições e depois escantear promessas que na realidade nunca seriam cumpridas. Moro foi posto a correr do cargo. Era honesto demais. Sério demais. Não se prestava a certos trabalhos exigidos pelo capitão. Imagine o paladino da Lava Jato topando interferir na PF para beneficiar e atender ao mandatário que queria acobertar a prole? Definitivamente não estava no escopo. Não conseguiria com Moro. Com o substituto sim, que logo se propôs a elaborar uma lista de adversários/opositores para perseguir e atacar nas redes sociais — um dossiê que não deixa nada a dever aos da temporada na qual vingou o arbítrio da ditadura e a putrefata prática da flagelação nos porões do regime. Bolsonaro o mito, Messias em pessoa, segue em silêncio diante de tantas maquinações. Como se não fosse com ele. Filho, mulher e ex-mulher arrolados, mas o capitão incólume, vestal sem mácula, nada envolvido nos rolos familiar. Já vimos esse filme e ele não acaba bem.


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