POLÍTICA O líder do governo, Ricardo Barros, conseguiu apoio para aprovar o regime de urgência para o PL 191; a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (abaixo), prepara lançamento do Plano Nacional de Fertilizantes (Crédito: Suamy Beydoun )

A crise dos fertilizantes virou pretexto para mais uma manobra ardilosa do presidente Jair Bolsonaro, que se empenha em abrir as porteiras da exploração das terras indígenas do País para todo tipo de atividade predatória. Na quarta-feira, 9, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, entrou com pedido de urgência do PL 191/2020, engavetado há dois anos, que libera, em reservas demarcadas, a extração de minérios, a exploração de petróleo e o aproveitamento dos recursos hídricos na geração de energia. Aprovada no mesmo dia por 279 a 180 votos, a urgência dispensará as análises das comissões e permitirá que o projeto siga diretamente ao plenário para a decisão de mérito. Barros espera votá-lo em cinco semanas. Para isso foi criada, em acordo com a oposição, uma comissão especial composta por 20 deputados, 13 do governo e sete da minoria parlamentar, que terão pouco tempo para debater o assunto, que só está em discussão por causa de uma manobra do Executivo. Para impulsionar a aprovação do PL, os aliados do presidente argumentam que sem liberdade de exploração em áreas hoje protegidas podem faltar matérias-primas de fertilizantes, das quais o Brasil depende de importações para suprir 85% de suas necessidades. O próprio Bolsonaro usa o clamor da guerra na Ucrânia para fazer valer sua vontade.

Adriano Machado

Para a oposição, porém, trata-se de mais uma jogada falaciosa, já que as áreas da Amazônia ricas em minérios, como o potássio, não estão dentro de terras protegidas. “A pressa em colocar o PL 191 em votação se baseia na mentira de que se a mineração nas reservas não for liberada, o Brasil não tem condições de ser autossuficiente em fertilizantes”, afirma o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ). “Pegou muito mal a aprovação da urgência, principalmente em um dia como hoje, em que se protestava contra essa destruição programada.” No gramado em frente ao Congresso, a manifestação “Ato pela Terra”, comandada pelo compositor e cantor Caetano Veloso, reuniu dezenas de milhares de pessoas. Os manifestantes criticavam um pacote de medidas em tramitação, inclusive o PL 191, cujo objetivo é acelerar a devastação das florestas e aumentar a insegurança da população tradicional em favor de uma política selvagem e orientada para a eliminação de direitos adquiridos.

A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) diz que a decisão de votar o projeto em regime de urgência é absurda e só expõe a relação do governo Bolsonaro com o garimpo ilegal, que atua cada vez com maior liberdade e é uma das bases de sustentação política do presidente. “Ele quer pagar o apoio que recebeu desses grupos e para isso está propondo um projeto destrutivo e perverso”, afirma. A Câmara tem agora quatro semanas para tentar evitar o pior e os parlamentares de oposição prometem fazer um trabalho intenso para convencer seus colegas que votaram a favor da urgência a mudar de posição. Molon diz que vai trabalhar olhando para fora, tentando mostrar para a opinião pública como é grave o que está acontecendo. Embora o risco de escassez de adubos já na próxima safra seja real, a confusão criada por Bolsonaro, alegando que a proteção das terras indígenas inibe a exploração de potássio, tem a única finalidade de criar um clima propício para passar o trator no Congresso e aprovar a medida. De nenhuma forma, a demanda por adubos NPK (nitrogênio, fósforo e potássio) poderá ser atendida no curto prazo.

Não por acaso, a tensão em torno do PL 191 coincide com o lançamento do Plano Nacional de Fertilizantes. Tal plano, que será anunciado pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, não trata propriamente da possibilidade de ocupação de terras indígenas para garantir a produção de matérias-primas, mas fala em desburocratizar os processos de licenciamento para a exploração de minas em todo o País. A meta do governo é reduzir a dependência dos insumos NPK de 85% para 60% nos próximos 30 anos, o que mostra que nenhuma iniciativa atabalhoada e imediatista, motivada pelas restrições nas importações de fertilizantes da Rússia e Belarus, será capaz de resolver o problema. E nem é o caso. Para Bolsonaro, a liberação da exploração de minérios em reservas estabelecidas é um objetivo em si mesmo.

PROTESTO Manifestantes se reuniram em frente ao Congresso para denunciar projeto de destruição (Crédito:Marcos Oliveira)