A falácia da meritocracia na Alemanha

A falácia da meritocracia na Alemanha

"EstatisticamenteEmbora país se ache uma sociedade meritocrática, onde quem trabalha duro chega ao topo, isso raramente é simples assim. Maioria dos altos executivos alemães estão lá por serem bem-nascidos.Populistas como o presidente dos EUA, Donald Trump, continuam prometendo proteger a população das elites. Mas será que elas realmente existem? Essas elites que agem nos bastidores? E quais fatores determinam quem está na chefia, no topo de uma empresa – talvez o desempenho, ou outros aspectos são relevantes, como a origem social?

O sociólogo Michael Hartmann observou os últimos 150 anos na Alemanha e analisou, entre outras coisas, quem ocupa as cadeiras executivas das empresas. Os resultados o surpreenderam, diz o professor emérito da Universidade Técnica de Darmstadt. "Até hoje, mais de quatro quintos da elite empresarial são recrutados entre os 3% a 4% mais ricos da população."

Houve uma pequena mudança entre 1907 e 1927, diz Hartmann. Quer dizer: uma quantia um pouco maior de pessoas entre os 96% das camadas mais inferiores da população conseguiram subir na escala social, "mas nos quase 100 anos seguintes, a proporção de alpinistas sociais aumentou em pouco menos de 2,5 pontos percentuais".

Cota para mulheres

Há anos as empresas têm programas para promover a diversidade. De acordo com uma pesquisa realizada neste ano pela Bitkom, a federação alemã do setor de telecomunicação e TI, dois terços das empresas com pelo menos 500 funcionários têm metas de diversidade em vigor, enquanto um terço adicional está discutindo ou planejando implementá-las.

No entanto, quando se trata de cargos de gestão influentes nas empresas, a elite ainda prefere se manter reservada. De acordo com Hartmann, nos últimos anos, porém, mais mulheres têm entrado na sala de reuniões. Isso se deve principalmente à cota para mulheres em cargos de chefia.

A Fundação Allbright critica o fato de que a proporção entre mulheres e homens ainda não é equilibrada. "Especialmente a seleção dos níveis mais altos da administração, nos quais a presidência do conselho de supervisão e o conselho de administração desempenham o papel central, inclui quase que exclusivamente nomes masculinos. Em geral, quanto mais alto o cargo, menos mulheres são representadas."

Hartmann afirma que sobretudo as mulheres que chegam a essas posições costumam ter uma origem social ainda mais exclusiva do que os homens. A situação é semelhante para pessoas com histórico de migração. "Minha suposição é que se você já tem uma ‘desvantagem', como gênero ou histórico de migração, então seu histórico social tem que ser ainda mais importante", diz Hartmann. "Você não pode se dar ao luxo de ter uma segunda ‘desvantagem'."

Histórico social é mais importante que desempenho?

O fato de os candidatos que são bem-nascidos serem frequentemente escolhidos para cargos mais altos não quer dizer necessariamente que eles tenham um desempenho inferior. Mas a discriminação começa com a educação.

Os filhos de acadêmicos têm muito mais facilidade e recebem mais apoio do que os filhos da classe operária. Por exemplo, na Alemanha, cerca de 80% dos filhos de famílias acadêmicas ingressam na universidade, em comparação com apenas cerca de um quarto dos filhos de famílias não acadêmicas, de acordo com um estudo da consultoria de RH PageGroup. "No entanto, sem um diploma universitário, dificilmente é possível chegar aos cargos mais altos nas empresas", diz Hartmann.

Quando os filhos da elite alcançam o mesmo desempenho acadêmico, sua carreira profissional é mais rápida e fácil. Hartmann analisou vários grupos de pessoas com doutorado. Suas descobertas: os filhos de executivos com doutorado tinham uma chance 17 vezes maior de chegar à diretoria de uma das 400 maiores empresas do que os filhos de operários com doutorado equivalente.

No final, outros critérios é que decidem quando se trata dos cargos mais altos. A maneira como alguém fala, como se apresenta ou quais são seus hobbies podem ser decisivos. "As pessoas se cerca de gente com as quais têm interesses semelhantes, que agem de forma semelhante, que se expressam da mesma forma…", diz Hartmann. Assim também fazem os executivos, que tomam decisões sobre seus colegas.

Cresce participação de filhos da classe operária

No entanto, as chances para os filhos da classe operária evoluíram de forma positiva nas últimas décadas, como pôde observar Hartmann. De acordo com o sociólogo, a participação deles aumentou sensivelmente a partir de um nível bem baixo. Entretanto, às custas dos filhos da classe média.

"Dizendo de forma bem simplificada: um filho da classe operária que alcançou altas qualificações educacionais e, portanto, também se qualificou para cargos importantes, por exemplo, substituiu o filho de um professor". Em suma, a proporção de filhos de elites em cargos de gerência permaneceu a mesma.

Impermeabilidade social tem consequências

Quando a origem social determina as carreiras profissionais, isso tem consequências para o crescimento econômico. A falta de mobilidade social na economia alemã leva a uma perda anual de cerca de 25 bilhões de euros no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com a consultoria PageGroup.

Nos países da União Europeia (UE), o PIB poderia aumentar em 9% ou 1,3 trilhão de euros (R$ 8,45 trilhões) se a mobilidade social fosse melhorada, de acordo com um estudo realizado pela empresa de consultoria McKinsey.

Há também histórias de sucesso recorrentes de ascensão social a partir do topo das empresas. Por exemplo, o ex-CEO da Siemens, Joe Kaeser, filho de um operário, é frequentemente mencionado na imprensa nesse contexto. Essas exceções ocorrem repetidamente, diz Hartmann. "Elas são apresentadas com tanta frequência na mídia, que você pensa que são muitas."

Mas como essas exceções podem se tornar a regra? Hartmann acredita que isso só é possível por meio de uma cota. Essas cotas são muito impopulares, "mas, na minha experiência, não funciona de outra forma", diz o sociólogo.