TAL PAI, TAL FILHO O deputado Eduardo Bolsonaro faz campanha nas redes sociais contra as urnas eletrônicas (Crédito: Igo Estrela)

Defendido pelo presidente Jair Bolsonaro, o voto impresso não tem chance alguma de avançar, pois trata-se de um retrocesso inominável. Na esteira das eleições americanas, o presidente brasileiro e seus seguidores voltam a levantar a bandeira insensata de que o sistema eleitoral brasileiro, estruturado no voto por meio das seguras urnas eletrônicas, deveria ser mudado para permitir a implementação do voto de papel nas eleições em 2022. Encampada pelas milícias digitais bolsonaristas, essa proposta soa como discurso de quem quer justificar uma eventual derrota daqui a dois anos, exatamente como fez Trump nos EUA, diante de um cenário eleitoral onde as fraudes são inexistentes e a agilidade de apuração é elogiada até por observadores internacionais que acompanharam a apuração do pleito municipal. As opiniões contrárias às bandeiras bolsonaristas são convergentes tanto no Congresso quanto no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em um Congresso que teve o andamento das pautas prejudicado devido à pandemia, tramita uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da deputada Bia Kicis (PSL-DF), que segue determinações do deputado Eduardo Bolsonaro, um dos que comandam ataques às urnas eletrônicas nas redes, defendendo que na votação e apuração de eleições seja obrigatória a expedição de cédulas físicas, que possam ser conferidas pelo eleitor. Kicis, no entanto, não goza de credibilidade na Câmara e é uma das investigadas no processo das fake news que corre no STF sob comando do ministro Alexandre de Moraes. Ela é suspeita de usar suas redes nas mídias sociais para propagar notícias falsas. A proposta chegou a receber aval da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), por 33 votos a 5, em dezembro do ano passado, mas para virar lei essa PEC teria que ter 308 votos na Câmara e 49 votos no Senado, o que não deverá acontecer. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por exemplo, já disse a aliados que não tem a menor intenção de colocar essa matéria em pauta de votações. Maia é defensor do atual sistema eleitoral brasileiro.

EM DEFESA DO ATRASO As deputadas bolsonaristas Carla Zambelli e Bia Kicis (abaixo) defendem a volta ao passado: a impressão do voto

“Homem na Lua”

A defesa de Bolsonaro pelo voto impresso virou até motivo de chacota. Ao votar no último domingo no Rio de Janeiro, o presidente voltou a defender sua esdrúxula tese, dizendo que era “uma necessidade” e estava “na boca do povo”. Comentando as declarações do presidente da República, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, rechaçou, durante a entrevista coletiva concedida ao final da divulgação dos resultados das eleições no domingo à noite, qualquer suspeita sobre a segurança do processo eleitoral e garantiu a confiabilidade do sistema. “Eu não tenho controle sobre o imaginário das pessoas”, afirmou o ministro, que ironizou o presidente. “Tem gente que acha que a Terra é plana. Tem gente que acha que o homem não foi à Lua. Tem gente que acha que Trump venceu as eleições nos Estados Unidos”, disse Barroso, rebatendo o mandatário.

Sérgio Lima

O ministro Barroso já disse que desde 1996, quando as urnas eletrônicas foram instituídas no Brasil, já foi reeleito Fernando Henrique Cardoso, eleito e reeleito Lula, eleita e reeleita Dilma e também eleito o atual presidente em 2018, “sem uma única denúncia de fraude no processo”. De acordo com o presidente do TSE, se Bolsonaro ou seus aliados lhe apresentarem qualquer evidência de fraude o tribunal abrirá investigação para apurar os fatos, mas ressalvou que até o momento não houve o mínimo indício de irregularidade. Além do respaldo no Congresso e no TSE, a falácia de que as urnas eletrônicas podem ser fraudadas sofreu duro golpe no STF. Em julgamento realizado em setembro, por meio do plenário virtual, a Suprema Corte declarou como inconstitucional o artigo 59-A da Lei 9.504/97 (a lei das eleições), que tentou implementar a impressão do voto eletrônico. Os ministros entenderam que a emenda abriria margem para acabar com sigilo e a liberdade do voto. A declaração de inconstitucionalidade desse artigo foi unânime no tribunal. Há ainda a questão de custos, em um país que briga para a manutenção do teto de gastos e que vai entrar numa próxima eleição ainda amargando os estragos econômicos ampliados pelo coronavírus.

Segundo Barroso, a impressão no voto das 500 mil urnas eletrônicas custaria R$ 2,5 bilhões em dois anos, o que tornaria o sistema insustentável economicamente. Durante essa votação, o ministro Gilmar Mendes fez a defesa intransigente do atual modelo. “Não é possível fazer uma mudança tão abrupta no processo eleitoral, colocando em risco a segurança das eleições e gastando recursos de forma irresponsável”. Bolsonaro, como sempre, fala sozinho.