“Não sou contra a Lei Rouanet. Sou contra a mamata” Raimundo Fagner, músico

Ele brigou com colegas da MPB, jogou o estrelato para o alto no auge, apoiou Jair Bolsonaro e mantém um público de seguidores há 40 anos. Você pode amá-lo ou odiá-lo, mas também é possível ficar indiferente a Raimundo Fagner ­— a começar por ele próprio. O cantor e compositor cearense completa 70 anos em outubro sem ter notado o tempo passar. Há três anos, quando a irmã, a bibliotecária Marta Lopes, mostrou-lhe milhares de fotos e documentos digitalizados da carreira iniciada em 1973, ficou surpreso e convidou a jornalista Regina Echeverria para escrever a sua biografia. O resultado é “Raimundo Fagner: quem me levará sou eu” (editora Agir).

Regina Echeverria detém a arte de biografar. É autora da consagrada “Furacão Elis”, entre outras biografias de sucesso. Mesmo assim, a de Fagner lhe deu um certo trabalho: “Ele não para, está sempre excursionando. Tive de fazer as entrevistas em várias cidades, nas brechas entre os shows”. Foram 20 horas de gravações com o músico, além de conversas com 60 pessoas próximas. “A vantagem é que eu o conheço há muito tempo e é ótimo entrevistá-lo: não esconde nada nem tem papas na língua.”

De fato, Fagner não economiza o verbo. “Minha vida é tão intensa que não estava a fim de contar eu mesmo tudo o que eu vivi”, diz à ISTOÉ. Apesar de ter se manifestado contra a Lei Rouanet, sua biografia contou com recursos do mecanismo, por meio da Fundação Raimundo Fagner, criada por ele. “Fui voto vencido”, afirma. “Meus apoiadores e amigos insistiram, e topei. Não sou contra a Lei Rouanet. Sou contra a mamata. Abomino a turma de artistas que pegava milhões para fazer apresentações. Meus shows se mantêm com o público que paga ingresso para me ouvir.” A fundação levantou R$ 70 mil, quantia suficiente para imprimir o livro.

“Muita coisa ficou de fora”, diz. “Isso significa que vai ter um segundo volume.” O fato é que primeiro é repleto de histórias de que o biografado nem lembrava mais — ou não queria lembrar. Exemplo: foi presenteado aos 57 anos, em 2009, com um filho, o advogado Bruno, e dois netos. Ele não sabia que uma aventura passageira que teve em 1974 lhe daria a família que nunca teve. “Casei com a carreira, nunca pensei em gerar filhos”, afirma.

São muitas outras histórias que evidenciam a face oculta de Fagner. Ele não nasceu em Orós, como era crença, e sim em Fortaleza. A briga com o parceiro Belchior resultou até em troca de socos. Em Portugal, em 1980, o cineasta Glauber Rocha o convidou para atuar no filme “O Guarany”, que queria dirigir.

Se há algo de que se orgulha é da voz. “Ainda fumo, mas ela nunca falhou”, afirma. “Continuo na estrada.” Uma voz que, gostemos dela ou nem tanto, anexou o Nordeste ao território da música pop brasileira.