Ao meio-dia do sábado 19, os sinos da capela de São Jorge, no Castelo de Windsor, vão badalar por Meghan Markle. A atriz americana celebrará a união com o príncipe Harry, filho de Diana e Charles, o quinto herdeiro à coroa britânica. Como será seu vestido? Com quem ela vai entrar na igreja? Como será sua vida de princesa? As perguntas poderiam ser feitas por quem assiste a um filme da Disney, mas se dirigem a uma personagem da vida real. A expectativa é que o casamento alcance três bilhões de espectadores em todo o mundo, um bilhão a mais do que a união entre Kate Middletton e o príncipe William, em abril de 2011. Por que há tanta comoção midiática, mesmo em um País como o Brasil, que hoje pouco tem a ver com a monarquia britânica? Não existe uma resposta objetiva e racional para essa pergunta. A explicação se dá no campo do imaginário e da fantasia, em parte ilustrada pelo mito da princesa, que até hoje invoca o estereótipo de feminilidade e do amor romântico. O frisson é ainda maior quando a noiva em questão é uma plebeia prestes a se tornar uma nobre, como no caso de Meghan. “Há o elemento mágico: a realização de algo que é dado como inesperado quando uma pessoa comum se torna uma princesa, alguém incomum”, afirma a antropóloga Michele Escoura, autora da dissertação “Girando entre Princesas” e doutoranda da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com pesquisa sobre casamentos. “Boa parte desse interesse coletivo está em acompanhar uma história que pensamos ser de mentira mas que pode acontecer e, se aconteceu com ela, por que não com quem está vendo?”

Luxo e riqueza

Os três bilhões de curiosos que deverão assistir ao casamento pelas televisões mundo afora, pela internet e pelas redes sociais, irão acompanhar um evento de grandes proporções em comparação ao padrão britânico: apenas a festividade em si deve custar cerca de R$ 9,1 milhões, valor 100 vezes maior do que a média dos casamentos no Reino Unido. Esse valor não inclui a segurança, que terá um investimento altíssimo para conseguir controlar os mais de 100 mil turistas esperados pelas autoridades nas cercanias do castelo de Windsor. O esquema de proteção para garantir que tudo corra em paz terá gastos que ultrapassam os R$ 100 milhões. Os tabloides ingleses falam em esquema de guerra – e os treinamentos da equipe de segurança começaram há mais de um mês. O investimento será destinado a aumentar o patrulhamento armado por toda a região do evento e incluirá um inédito sistema de tecnologia para reconhecimento de carros e para impedir a invasão de drones. É forte o medo que aconteça um ataque terrorista. Só em 2017, Londres registrou cinco atentados. A Inglaterra, conhecida por ter um dos melhores sistemas de inteligência do mundo para aplacar o terrorismo, intensificou os trabalhos de prevenção dada a magnitude do evento.

A cerimônia ocorrerá no castelo de Windsor, residência oficial da rainha Elizabeth e onde ela costuma passar seus finais de semana. A celebração está marcada para o meio-dia, no relógio britânico, que corresponde às 8h no Brasil. Espera-se que os primeiros convidados comecem a chegar às 9h. A celebração das bodas deverá durar uma hora. O vestido continua sendo um mistério. Ainda não foi confirmado o estilista responsável pela confecção do traje, mas a maioria das especulações recai sobre a grife australiana Ralph & Russo. A marca estaria desenvolvendo um modelo que pode custar entre R$ 500 mil e R$ 1,7 milhão. A aposta se deve ao fato de a dupla já ter assinado o vestido usado por Meghan nas fotos do noivado. Será o pai da noiva, Thomas Markle, quem irá acompanhá-la até o altar, apesar do burburinho dando conta que essa seria uma função da mãe. Embora tenha uma série de tiaras à disposição, a noiva deverá usar a mesma que a princesa Diana usou em seu casamento, em 1981, assim como Kate Middleton. Uma famosa florista londrina será responsável pela decoração da capela. Estima-se que serão usadas 200 mil flores, entre rosas brancas, peônias e dedaleiras.

A expectativa é que o casamento de Meghan e Harry alcance três bilhões de espectadores em todo o mundo

Ao fim da cerimônia, o casal vai embarcar na carruagem Ascot Landau, usada somente em eventos oficiais, que os levará por um cortejo de aproximadamente três quilômetros dentro da cidade de Windsor, o que deve durar cerca de 25 minutos. É o momento em que os dois, recém-casados, se apresentarão ao público, para na sequência participarem de uma recepção com 200 convidados, entre amigos e familiares, na casa de campo da região do castelo. Três orquestras embalarão a trilha sonora do evento, tanto na capela como em outros ambientes de comemoração: a Nacional de Gales, a da Câmara Inglesa e a Philharmonia Orchestra. Outros corais e músicos seguirão a temática religiosa mas darão um toque mais moderno, como o grupo gospel Kingdom Choir e o violoncelista Sheky Kanneh-Mason, de apenas 19 anos, uma das jovens promessas da música no Reino Unido. A banda da Guarda Irlandesa estará nas ruas para animar as festividades entre os súditos enquanto a festa corre no interior do castelo para um seleto grupo de convidados. Sobre quem estará presente, aliás, sabe-se muito pouco. Meghan e Harry optaram por não convidar lideranças políticas, nem mesmo Theresa May, a primeira-ministra britânica. A realeza está confirmada e, entre as celebridades, é esperada a presença de Victoria e David Beckham, da tenista Serena Williams, de colegas de elenco da série em que Meghan atuava, “Suits”, das Spice Girls e do cantor Elton John, os dois últimos, inclusive, cotados para fazerem shows no local.

UNIÃO Capela de São Jorge, onde será celebrado o casamento de Harry e Meghan Markle; tiara vitoriana
que está entre as opções da noiva e o casal real

Os noivos dispensaram presentes. Pediram, em vez disso, que os convidados fizessem doações a sete instituições de caridade escolhidas pelos dois. São entidades envolvidas com empoderamento feminino, Aids, falta de moradia e meio ambiente. Ainda sobre os detalhes da celebração, o bolo será feito pela chef pâtissier Claire Ptak. De limão, com ingredientes orgânicos e flores frescas como decoração. “Não consigo dizer o quanto estou feliz por ter sido escolhida para fazer o bolo de casamento do príncipe Harry e da senhora Markle. Sabendo que eles realmente compartilham os mesmos valores que eu, sobre a origem dos alimentos, a sustentabilidade, a sazonalidade e, mais importante, o sabor, torna este o evento mais emocionante de se fazer parte”, declarou Ptak. Os britânicos estão eufóricos pelo momento e, para capitalizar, é possível encontrar infindáveis opções de souvenirs levando nomes e rostos dos noivos, de canecas e panos de prato a caixas de biscoito, sinos. O casamento real, estima-se, deve impulsionar a economia britânica em R$ 2,4 bilhões.

Princesa pop

Filha de mãe negra e pai branco, se identificando como inter-racial, famosa nos Estados Unidos, moderna, feminista, independente. Aos 36 anos e divorciada, Meghan Markle foge um pouco do estereótipo tradicional da princesa. Na verdade, de alguma maneira conversa com a visão moderna das princesas da Disney, que tem se esforçado no sentido de mostrar outros atributos às suas protagonistas além da aparência – elas são corajosas, fortes e batalhadoras, bem diferente das frágeis personagens clássicas que viviam à espera do seu príncipe. Ainda assim, vive uma história que é vista como um conto de fadas. “As histórias de princesas são tão associadas aos contos de fada, são tão irreais, que quando elas acontecem na vida real, em plena época em que estamos vivendo, as pessoas se interessam. Ainda mais do jeito que está acontecendo, com uma plebeia”, afirma a escritora brasileira Paula Pimenta, autora de 17 livros, entre eles “Cinderela Pop” e “Princesa Adormecida”, e com mais de um milhão vendidos. Nos livros e nos filmes, o mito da princesa é um histórico fenômeno de público. Para Pimenta, ainda que os tempos mudem, o fascínio por essas histórias sempre vai existir. “Contos de fada são passados de mãe para filha. São universais. O romance não morre, e essas são histórias românticas.”

Mesmo que venha passando por uma modernização, a ideia de princesa tradicional que ainda permeia o imaginário coletivo vem desde personagens como a Branca de Neve. Na opinião da antropóloga Michele Escoura, essa ideia é introjetada socialmente desde a infância e tem relação com a própria noção do casamento. “O sonho de ser princesa das meninas está muito ligado ao sonho de ser noiva”, afirma Escoura, autora da dissertação “Girando entre Princesas: Perfomances e Contornos de Gênero em uma Etnografia com Crianças”. “O dia da noiva é quase o dia da princesa. Ela acha que é o momento em que ela virou princesa, e isso é associado à dimensão estética, de consumo. O vestido e os acessórios precisam ser caros”, diz. Como essas histórias de fantasia e magia estão socialmente disseminadas, é mais do que esperado que um casamento como o de Meghan e Harry cause tanta comoção.

Colaborou André Sollitto