O cenário é um evento religioso: num palco, diante de centenas de fiéis, Nikolas Ferreira, 26 anos, se movimenta no espaço de forma vigorosa, com a desenvoltura de um guru que inspira empreendedores que desejam sucesso no mundo corporativo. Mas o discurso é repleto de referências ao que ele chama de “valores cristãos”. O jovem simula certo estranhamento com o headset (equipamento formado por um fone de ouvido e um microfone, que fica acoplado à cabeça). “Estou parecendo um coach”, diz, para fazer graça.

Como um popstar do conservadorismo reacionário e do bolsonarismo, ele vai arrebanhando seguidores por onde passa. Cenas como essa se dão em igrejas espalhadas pelo País – em suas concorridas redes sociais há registros de passagens por diversos estados: são pequenos vídeos editados, embalados por trilhas sonoras impactantes, que mostram o sucesso do jovem junto ao seu público-alvo. Esse tipo de postagem vem alternada com publicações sobre eventos políticos nos quais ele invariavelmente mantém a própria imagem atrelada à do presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição.

1,49 Milhão de votos

Em seus perfis na internet, onde é muito atuante, além criticar o aborto sob qualquer circunstância, também demoniza o ex-presidente Lula. E o faz misturando os dois assuntos: “Cristo não apoia matar crianças no ventre e vou deixar mais claro: quem vota em Lula não é cristão”. Sobre a eventual adesão de mulheres religiosas ao feminismo, diz que “por trás de toda cristã feminista sempre há uma Bíblia empoeirada”. Sobrou até para a diva pop Anitta, que numa rede social brincou com a “cola” que Bolsonaro tinha na mão em uma entrevista. “Melhor escrever na mão do que no ânus”, provocou o então vereador.

As “tretas” nas redes não param por aí: Nikolas teve seis vezes mais votos do que o segundo colocado na disputa, o deputado federal André Janones (Avante), principal articulador da campanha de Lula nas redes sociais. Os dois já protagonizaram diversos episódios de trocas de acusações e ofensas. Nessa semana, o político radical protagonizou um bate-boca com ninguém menos do que o youtuber Felipe Neto, fenômeno das redes sociais e apoiador do petista.

Deputado federal mais votado do País, com 1,4 milhão de votos, Nikolas é um fenômeno do bolsonarismo. Nascido em Belo Horizonte, na favela Cabana do Pai Tomás, e formado em Direito pela PUC Minas, está em seu primeiro mandato eletivo. Desde janeiro de 2021 é vereador em Belo Horizonte, mas vai abrir mão do mandato para assumir, em fevereiro, uma cadeira na Câmara dos Deputados. Fiel da Comunidade Evangélica Graça e Paz, se apresenta como “cristão de direita, armamentista, defensor da família” e adota pautas conservadoras. É contrário ao aborto, à legalização das drogas e ao que chama de “ideologia de gênero”. Eleito pelo PL de Valdemar Costa Neto, líder do Centrão, Nikolas também levanta a bandeira do combate à corrupção.

Dispensou recursos do fundo eleitoral e fez campanha apenas com o dinheiro de doações de pessoas físicas. Mas seu principal doador de campanha, de quem recebeu R$ 70 mil, é o empresário Ronosalto Pereira Neves. Em 2018, nas investigações da Polícia Federal que tinham como alvo o então senador Aécio Neves (PSDB), Ronosalto relatou ter realizado, a pedido do empresário Joesley Batista, uma operação financeira de R$ 1,1 milhão.

Pupilo de Olavo

Há tempos o jovem Nikolas é bajulado pela família Bolsonaro. O deputado federal Eduardo, o filho 03 do capitão, gravou um vídeo de apoio ao correligionário, no qual cantarola o seu jingle. Uma mão lava a outra: em Minas Gerais, o bolsonarismo levou quase tudo – além do recorde nacional de votos de Nikolas para a Câmara, ajudou a reeleger o governador Romeu Zema (Novo) e Cleitinho Azevedo (PSC) para o Senado. De olho no segundo turno, a equipe do presidente quer contar com esse poderoso palanque no segundo maior colégio eleitoral do País. Seguidor desde os treze anos de Olavo de Carvalho, ideólogo da extrema direita brasileira (morto em janeiro dete ano), o bacharel em Direito tem tanto prestígio que foi convidado para dar palestra na CPAC (Conferência de Ação Política Conservadora), promovida no Brasil por Eduardo Bolsonaro e que contou com a presença de lideranças da ultradireita mundial, como o ex-assessor de Donald Trump, Jason Miller, e o empresário Donald Trump Jr, filho do ex-presidente norte-americano. “Hoje quero trazer aqui duas coisas: assuma sua identidade e escolha seu sacrifício”, discursou, no evento.

Chamado de “prodígio” pelo senador eleito Magno Malta (PL), um dos próceres da ala mais reacionária do entorno do capitão, em julho Nikolas lançou o livro O Cristão e a Política pela editora Central Gospel, do pastor Silas Malafaia. Para esse grupo, política e religião se misturam – principalmente quando o objetivo é conquistar votos para o projeto de poder de Bolsonaro.