24/08/2024 - 8:00
São mais de 12 milhões de seguidores no Instagram e uma estratégia de marketing inédita nas eleições da maior cidade do país. Com vídeos curtos, de até 90 segundos, teatros, encenações e baixaria, Pablo Marçal (PRTB) busca alavancar sua candidatura à prefeitura de São Paulo.
+Como Pablo Marçal avançou sobre eleitorado bolsonarista em São Paulo
Visto por alguns dos concorrentes e especialistas como um marqueteiro em busca de seguidores, o ex-coach passou a incomodar os adversários desde que ganhou espaço na disputa.
No levantamento divulgado pelo Datafolha na quinta-feira, 22, Marçal registrou 21% das intenções de voto, um salto de sete pontos percentuais que o levou ao empate técnico com Guilherme Boulos (PSOL, 23%) e Ricardo Nunes (MDB, 19%). Diante da ascensão, eleitores, estudiosos e adversários questionam os limites dessa estratégia.
Canhão digital
Desde que tentou ser candidato à presidência da República, em 2022 (a candidatura foi retirada pelo Pros, partido que o abrigava na ocasião e definiu apoio a Luiz Inácio Lula da Silva, do PT), Marçal ganhou mais de 10 milhões de seguidores no Instagram.
O influenciador usava seu alcance na plataforma para comercializar cursos, palestras e mentorias que têm como objetivo a ascensão pessoal e financeira — ele declarou um patrimônio de R$ 169 milhões ao TSE. Nos últimos meses, o conteúdo sobre política e temas caros ao eleitorado de direita ficou mais frequente, preparando terreno para a aventura eleitoral.
Em seu primeiro “palco oficial” como postulante à prefeitura (o debate da Bandeirantes), Marçal foi preparado para gerar engajamento digital: confrontou adversários com frases fortes, usou um boné com a letra M e acusou sem provas Guilherme Boulos de ser usuário de cocaína. Da chegada à emissora até o final do dia seguinte, o candidato publicou 26 vídeos no Instagram relacionados a sua participação.
No mais popular — 14,3 milhões de visualizações –, ele chama Tabata Amaral (PSB) de “parachoque de comunista”, a compara a uma “jornalista militante” e faz acusações contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e o presidente Lula, com uma música impactante de fundo.
A estética se assemelha aos conteúdos publicados por admiradores do influenciador no TikTok, rede social em que, conforme revelou o jornal O Globo, Marçal promete pagamentos para usuários que publicarem mais cortes de suas palestras e entrevistas. O candidato negou o esquema.
Em sete dias de campanha oficial pela prefeitura, Marçal publicou 133 reels em sua conta no Instagram. No formato de vídeo curto, que permite a publicação de cortes e têm maior proporção de alcance, o ex-coach se comunica com sua base mais ideológica e multiplica a produção de seus adversários — que somaram 107 conteúdos do tipo no mesmo período. Entre os oponentes, o vídeo mais popular do período foi publicado por Tabata, reproduzindo a estética do candidato do PRTB para associá-lo ao PCC (Primeiro Comando da Capital), com 1,4 milhão de visualizações.
Enquanto os adversários apostaram na divulgação das agendas de campanha, jingles e declarações roteirizadas, Marçal publicou também memes, cortes de participações em podcasts, trechos de conteúdos jornalísticos e uma “encenação” em que Nunes, Boulos e José Luiz Datena (PSDB) se reúnem com um personagem que representa o “sistema” para combinar a ausência no debate da revista Veja — em três partes, o teatrinho soma 3,6 milhões de visualizações.
Nos materiais mais populares, o candidato faz acusações sem provas contra os concorrentes e alegações como a de que há um “sistema” estruturado para tirá-lo da eleição e que o país é ameaçado pelo comunismo. Sem base em fatos, as afirmações se propagam rapidamente nos perfis do influenciador e em dezenas de outros que reproduzem suas falas no TikTok e no X (antigo Twitter). Os vídeos que infringiram a legislação eleitoral, de acordo com o MPE (Ministério Público Eleitoral), somaram 825 milhões de visualizações no YouTube e no TikTok, conforme reportou a Agência Pública.
Ineditismo da estratégia
Para entender a efetividade e os limites das táticas adotadas por Marçal, o site IstoÉ ouviu quatro pesquisadoras dos campos da ciência política e do marketing digital.
Camila Rocha, cientista política e pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento)
“A comunicação digital tem um papel central na construção política da extrema direita. Os políticos desse campo exploram o ambiente dessas redes, vendem cursos e desenvolvem todo um mercado relacionado aos meios digitais, desenvolvendo um circuito de comunicação que vai muito além dos conteúdos eleitorais. Os conteúdos de extrema direita têm mais ressonância nas redes sociais. Ao compararmos o alcance dos representantes bolsonaristas com o dos demais – sejam da direita tradicional ou da esquerda –, isso fica evidente.
Neste sentido, Marçal é uma espécie de ‘tipo ideal’, o modelo mais aperfeiçoado de comunicação digital para a extrema direita. Ele promove um tipo de comunicação que já está ligado a valores que estão enraizados nesse espectro político, como as ideias de ascensão social, sucesso financeiro e superação de obstáculos. Um estudo do qual participei sobre influenciadores digitais mostra que mesmo jovens de esquerda se aproximam dos valores de ascensão social, construção de autoestima e venda de sucesso nas redes sociais“.
Deisy Cioccari, cientista política
“A estratégia adotada por Marçal seduz mais facilmente o eleitorado mais jovem, a chamada ‘geração TikTok’, que não tem interesse em assistir a conteúdos mais longos. Acredito que isso seja suficiente para torná-lo conhecido, mas a política não se resume à visibilidade.
São Paulo registra, historicamente, uma flutuação de preferência dos eleitores pequena e movida por parâmetros estreitos e conhecidos. As mudanças são lentas e dependem da capacidade de partidos e candidatos mobilizarem o eleitorado. Uma fatia importante desse eleitorado é de centro e centro-esquerda, o que pode obrigá-lo a alterar suas táticas e discurso em um eventual segundo turno.
Fato é que diversos teóricos já afirmaram que a sociedade nunca está segura de sua ordem, então sempre há espaço para que alguém venha e a subverta. A provocação, a zombaria e a violência simbólica são as expressões dessa subversão na política desde que o mundo é mundo. Quando isso ocorre, o espetáculo ganha às custas da piora do debate público e da própria democracia“.
Eliana Loureiro, coordenadora da pós-graduação em marketing digital da Faap-SP (Fundação Armando Álvares Penteado)
“A percepção nesta campanha é de que chegamos à era da ‘tiktokização’ do debate público. A partir de cortes publicados nas redes sociais, cada candidato cria uma narrativa específica, que não necessariamente representa a verdade, mas apresenta uma verdade para seu eleitorado.
Ao mesmo tempo, essa estratégia de comunicação tem a preocupação de ‘lacrar’ e construir uma narrativa de impacto, que faça o eleitor parar de percorrer o feed das plataformas e preste atenção naquele conteúdo. Neste cenário, a preocupação é com a substituição do debate público, da discussão de ideias e propostas para os principais problemas das cidades por uma espécie de show.
Nas eleições de 2022, vimos um crescimento das estratégias de combate às fake news em reação ao que ocorreu em disputas anteriores. Uma das reações dos adversários a Marçal foi desistir do debate. No entanto, a estratégia do influenciador corresponde ao que chamamos de ‘firehosting’, ou mangueira da falsidade, uma tática de desinformação criada pelos russos, em que as mentiras são produzidas e difundidas por diversos meios, de modo que se torna difícil desmenti-las e, enquanto isso, a confiança da opinião pública é corroída“.
Lilian Carvalho, professora da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas) e especialista em marketing digital
“Em primeiro lugar, Marçal veio do mundo dos infoprodutos, da comercialização de cursos, e-books e mentorias. Para impulsionar seus próprios negócios, ele aprendeu a crescer em todas as redes sociais relevantes, onde conteúdos mais extremos, impactantes e de aspecto negativo têm maior ressonância — habilidade que ele leva para a política, por exemplo, levando para o debate um roteiro de confronto preparado contra seus oponentes.
Essa noção é essencial em um país onde a população passa boa parte do dia nas redes sociais, enquanto o rádio e a televisão perdem importância ano após ano para a decisão do voto. A tendência é que, a partir de Marçal, as campanhas eleitorais do Brasil inteiro, da direita à esquerda, sejam alteradas a partir da percepção do que foi sua estratégia digital. Não se trata de concordar ou não com ela, mas de perceber sua efetividade”.