Segundo o Datafolha, 74% dos servidores públicos de São Paulo pretendem votar em Guilherme Boulos para a prefeitura. Se você leu as propostas da chapa Boulos-Erundina, por certo não está surpreso com essa larga preferência. O funcionalismo é tema de um longo e generosíssimo capítulo no programa do candidato do PSOL. É a categoria que o partido pretende transformar em clientela – e por meio da qual planeja exercer controle de longo prazo sobre as políticas públicas paulistanas. A estratégia é velha de guerra: aparelhar, aparelhar, aparelhar. E não cheira nada bem.

Na semana passada, Boulos disse uma asneira sobre o funcionalismo em uma sabatina e acendeu alguns sinais de alerta. Segundo ele, a melhor maneira de equilibrar as contas da previdência em São Paulo seria fazer muitos concursos e muitas contratações, porque isso aumentaria o volume de contribuições para o sistema. Até os economistas de esquerda ficaram com vergonha, porque o raciocínio ignora que os custos previdenciários de longo prazo superam em muito os ganhos imediatos.

Boulos e sua equipe acionaram a réplica padrão de quem é pego falando absurdos: “Tiraram minha fala do contexto”. O argumento seria outro. O déficit da previdência não pode justificar a completa paralisação dos concursos, pois isso impede a melhoria dos serviços públicos. O PSOL pretende acabar com serviços terceirizados, que associa no plano de governo a ineficiência e corrupção. Sem nuances, terceirizar serviços públicos seria coisa de gente mal intencionada.

Balela, por várias razões. Primeiro, um déficit abismal é, sim, razão para impedir novos gastos com funcionalismo. Em segundo lugar, nem a terceirização nem a admissão de quadros estáveis são panacéias, tudo depende de como a coisa é feita. Finalmente, é preciso mais do que contratações para melhorar a qualidade do serviço público. Boulos até fala em formação permanente dos servidores e em “ampliar” a Escola do Servidor Público, mas não menciona avaliação de desempenho, a ferramenta de gestão que pode garantir que funcionário no guichê faça bem o seu trabalho. Em qualquer atividade humana há momentos em que é preciso comprovar excelência. O PSOL, e a esquerda brasileira em geral, trata como ofensa imperdoável a ideia de medir a eficiência de quem trabalha no serviço público.

O PSOL pretende revogar a reforma da Previdência paulistana aprovada no ano passado. A  reforma já foi bem modesta, pois nem sequer instituiu uma idade mínima para aposentadorias. Mas o partido acha que foi um massacre. Quer que os servidores voltem a contribuir 11% em vez de 14% para a Previdência, e ainda equiparar os ganhos de ativos e aposentados. Quer também dar o controle do Instituto de Previdência Municipal aos trabalhadores, numa variação daquela história de pôr a raposa para cuidar do galinheiro.

Para além do tema das aposentadorias, Boulos planeja tornar obrigatórios aumentos reais de salário, independentemente da arrecadação do município, instituir o tempo de trabalho como única referência para mudança de faixa salarial (mais uma vez, competência para quê) e reduzir diferenças de ganho entre níveis funcionais. Tudo isso significa mais benefícios para a corporação dos servidores, sem que haja garantia de que os serviços públicos vão melhorar proporcionalmente.

Mas o pulo do gato está mesmo no finzinho da seção sobre o funcionalismo: a ideia de ampliar “a participação consultiva e deliberativa em secretarias, conselhos e outros órgãos”. Dependendo de como isso for feito, significa pôr na mão do funcionalismo a possibilidade de obstar as iniciativas políticas de diferentes gestões. Um corpo estável e não eleito de burocratas ganharia o poder de travar aquilo que a alternância de poder tenta produzir, ou seja, mudanças de rumo nas políticas públicas.

Em resumo, Boulos quer aumentar os gastos com ativos e aposentados, aumentar o número de funcionários contratados e dar poder deliberativo (e não apenas administrativo) a um conjunto de servidores que teria uma dívida de gratidão… com o PSOL.

Nada no plano de governo de Boulos é tão focado e tão concretamente detalhado quanto a política para funcionários públicos. Eles são os eleitos do candidato. Nem mesmo os sem-teto, que ajudaram Boulos a se erguer na política, recebem tanta atenção. Em comparação com aquilo que se promete aos servidores, as políticas de emprego e renda para todo o restante da população são pífias – para não falar constrangedoras em sua vagueza.

Por trás de toda a conversa de Boulos sobre mudança da esquerda, lá está, escondidinho, o mesmo propósito do PT: se apropriar da máquina pública e controlá-la em benefício de um partido. É muito velho e cheira mal.