O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) comemorou com ostentação a recente vitória jurídica que obteve na Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Feliz pelo fato de o tribunal ter anulado a quebra do seu sigilo bancário, o filho 01 do presidente comprou uma mansão paradisíaca, digna dos milionários que habitam Brasília. Registrada num cartório de Brazlândia, zona rural do Distrito Federal, a casa, adquirida por R$ 5,97 milhões, foi o vigésimo negócio imobiliário realizado por Flávio nos últimos 16 anos. Com essas transações, ele obteve lucros escandalosos, apesar de ter declarado à Receita em 2018, possuir bens de R$ 1,74 milhão.

O nebuloso negócio teve nada menos do que R$ 2,87 milhões pagos à vista como entrada, segundo ele, embora a imobiliária afirme ter recebido apenas R$ 1,09 milhão. Flávio disse ter usado parte dos recursos com a venda do apartamento que possuia no Rio, mas inexiste escritura dessa operação. Afirmou também que parte dos valores veio da venda de uma franquia de chocolates no Rio, embora o MP fluminense afirme que tanto esse apartamento quanto a loja foram obtidos com dinheiro ilegal das rachadinhas em seu gabinete na Assembleia do Rio, de 2007 a 2018, de onde ele teria obtido R$ 6 milhões, idêntico valor pago na mansão.

Ostentação Academia completa de ginástica, 4 suítes, banheiras, cubas de bronze, 5 salas espaçosas, além de uma ampla brinquedoteca

Empréstimo suspeito

Os R$ 3,1 milhões restantes da dívida para a aquisição da casa foram financiados junto ao Banco Regional de Brasília (BRB), estatal do governo do Distrito Federal, que tem o governador Ibaneis Rocha (MDB), aliado do presidente, no comando. Quem já dependeu de financiamento imobiliário sabe que as exigências para as transações são tão grandes que não raras vezes acabam negadas, em caso de inconsistências. Mas Flávio Bolsonaro conseguiu obter o financiamento, mesmo declarando uma renda que seria incompatível com o valor da prestação. Para conseguir o financiamento, o senador, que tem salário líquido de R$ 24.906, declarou ter uma receita mensal de R$ 28.307. Sua mulher, Fernanda, que é dentista, disse ter uma renda de R$ 8.650. Juntos, o casal comprovou rendimentos de R$ 36.957. Para o cidadão normal, as instituições bancárias só liberam financiamentos imobiliários com prestações cujo valor máximo seja de 30% da renda comprovada pelo cliente. A parcela da mansão de Flávio está longe dessa normalidade. Dividida em 360 vezes, o valor financiado ficou com prestações mensais de R$ R$ 18.744, equivalentes a mais da metade do que ele e a mulher ganham juntos.

Não bastassem os valores das parcelas serem, no mínimo, estranhos, a taxa de juros obtida pelo senador é de pai para filho. Uma busca no site do BRB mostra que, em condições normais, nenhum cidadão conseguiria financiar um imóvel deste valor com essa renda. Flávio Bolsonaro conseguiu junto ao BRB juros de financiamento com taxas que variam de 3,65% a 4,85% ao ano. Os índices estão abaixo dos encontrados no mercado, onde as taxas de juro giram em torno de 7,75%. Numa simulação feita junto ao site do Bradesco, o salário necessário para pagar o empréstimo de R$ 3,1 milhões seria de R$ 98 mil e a prestação mensal de R$ 29 mil. No mundo real, as benesses alcançadas pelo senador inexistem.

A casa, construída em uma região nobre de Brasília, foi erguida no setor de Mansões Dom Bosco, no Lago Sul. Vendida ao senador pela RVA Construções e Incorporações, que pertence ao advogado Juscelino Sarkis, que é aliado do governador Ibaneis Rocha. O empresário Juscelino Sarkis é conhecido em Brasília e recentemente fechou outra negociação milionária com o Senac-DF no valor de R$ 74 milhões. O mais suspeito é que a namorada de Sarkis, a juíza Cláudia Silvia Andrade, é auxiliar do ex-presidente do STJ, João Otávio de Noronha, o mesmo que anulou a quebra de sigilo de Flávio. Sarkis diz que a namorada não tem nenhuma participação na operação imobiliária.

“Flávio é um ladrão sem vergonha e tem que ir pra cadeia”
Joice Hasselmann, deputada (PSL-SP)

O palacete

O imóvel é um verdadeiro palacete, como mostram imagens disponíveis em um vídeo da construtora e que foi retirado do ar logo depois da repercussão do caso, mas que pode ser encontrado em canais do YouTube. São 1.100 m2 de área construída, em um terreno de 2.400 m2, com detalhes luxuosos, que incluem academia privada e brinquedoteca. A casa tem quatro suítes, incluindo a master do casal, com uma enorme banheira. Os banheiros têm cubas relusentes em bronze. As 5 salas amplas e uma grande mesa de jantar. A área de lazer possui confortável espaço gourmet, além de uma piscina com raia, mobiliada com espreguiçadeiras, num jardim cinematográfico. A paisagem de Brasília ao fundo é deslumbrante, com o Lago Paranoá — local popular para práticas esportivas como: remo, canoa, natação, stand up paddle e winsurf — e a a área verde ao redor é espetacular. Sem vizinhos próximos, a privacidade do senador é privilegiada.

Quebra de decoro

A indignação abriu espaço para uma reação do Legislativo. A oposição entrou no Senado com pedido de cassação do mandato de Flávio por falta de decoro. A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) afirmou que o senador fez “a materialização do roubo pra jogar na nossa cara: Flávio Bolsonaro é um ladrão sem vergonha e tem que ir pra cadeia”, acusou a ex-aliada.

Até no Palácio do Planalto, o clima gerado pela compra da mansão não é dos melhores. Acuado pela repercussão negativa, o presidente cancelou dois pronunciamentos na televisão, temendo panelaços. A orientação do governo é para que aliados coloquem panos quentes e evitem repercutir o assunto. Flávio foi orientado a ir às redes sociais, onde disse ser vítima da imprensa. Garantiu que a transação foi realizada dentro da lei. Com o endereço da mansão sob os holofotes, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) passou a fazer a segurança do imóvel e até voos de drones foram proibidos no local. Tudo para tentar esconder mais um esquema supostamente fraudulento da família Bolsonaro.