No Brasil, os apresentadores de televisão são glorificados quase como divindades. Uma delas foi praticamente íntima dos telespectadores por causa dos quase 70 anos que passou sustentando programas de auditório: Hebe Camargo, relembrada pelo filme “Hebe — A Estrela do Brasil”, com estreia em 26 de setembro. A difícil tarefa de encarnar a personagem foi de Andréa Beltrão, o que gerou certo estranhamento, pois existem outras grandes atrizes fisionomicamente mais parecidas com
a apresentadora, algo que a atriz admite. Foram milhares de horas assistindo vídeos de Hebe e muita preparação para chegar ao resultado final, processo que ela conta que começou com uma imitação que chama de “tosca e grosseira”.

TRIO Hebe com Nair Bello e Lolita Rodrigues, suas melhores amigas. A parceria rende, no filme, uma divertida cena de embriaguez (Crédito:FERNANDO ARELLANO/AE)

O diretor do filme, Maurício Farias, afirma que a ideia era que Andréa “encontrasse sua própria Hebe”, pois é impossível reviver tal personagem.

“Se você reconheceu que não são aquelas pessoas, é isso mesmo, a Andréa não é a Hebe”, explica. O caminho para evitar
uma imitação e partir para uma adaptação funciona bem, pois a performance da atriz é plena de nuances que remetem a Hebe, apesar da pouca semelhança física. Cabe um elogio ao figurino, que conta com peças do acervo da apresentadora — incluindo algumas joias exuberantes.

O recorte de alguns meses de 1985 para ambientar o filme é outro acerto, afinal retratar a vida inteira de Hebe em pouco menos de duas horas seria uma impossibilidade. Na trama, vemos o episódio em que a estrela se demite da Rede Bandeirantes, em meio a restrições ao seu programa, e vai para o SBT. Carolina Kotscho, que assina o roteiro, justifica a escolha como “o período em que Hebe transborda”, perpassando por muitos aspectos de sua vida. Segundo ela, tudo que está no filme foi inspirado em entrevistas ou conversas documentadas da apresentadora no imenso acervo cedido pelo projeto Hebe Forever, comandado por seu sobrinho Claudio Pessutti (vivido por Danton Mello no longa). Documentários e até uma série de TV devem ser rodados a partir desse rico material de pesquisa.

Sem medo da censura

O longa é produzido pela Globo Filmes, que finalmente quebrou um grande tabu: usar estrelas de emissoras rivais ou figuras públicas. Bandeirantes, SBT, Ulysses Guimarães, Silvio Santos e Paulo Maluf — que Hebe sempre apoiou — são mencionados abertamente. A censura é tema constante, com a apresentadora frequentemente desafiada pelo poder público, seja no fim do período militar ou por políticos críticos das suas abordagens. Muito antes de se falar em representatividade, Hebe já convidava transsexuais e travestis para o seu programa.

O embate entre ideias progressistas e retrógradas traz um ar atual para a narrativa. Não se trata de acaso. Há um esforço no roteiro para fazer com que o filme se mantenha pertinente para a parcela do público que não “conviveu” com Hebe na telinha.

Ela faleceu em 2012, aos 83 anos.Na vida privada, Hebe também não aguenta os desaforados ataques de ciúme do marido Lélio, interpretado por Marco Ricca. Nessas cenas “não há nenhuma lantejoula”, citando uma de suas expressões favoritas. Apesar de necessárias, as cenas de auditório não chegam perto do magnetismo da apresentadora, que é mostrada de costas, algo nunca visto. Hebe gostava de se dirigir à câmera e exigia trabalhar ao vivo.

No sofá mais famoso