O astrólogo e guru do bolsonarismo Olavo de Carvalho se envolveu em uma cinematográfica fuga do Brasil na semana passada, após ter sido intimado a prestar depoimento à Polícia Federal no âmbito do inquérito que apura a existência de uma milícia digital dedicada a atacar a democracia. Ele é um dos suspeitos de integrar uma quadrilha de milicianos que age no Brasil e no exterior para difamar adversários de Bolsonaro. Embora o plano fosse deixar o País sem fazer alarde ou “à francesa”, como ele mesmo descreveu nas suas mídias sociais, Olavo acabou chamando demais a atenção e protagonizou um verdadeiro espetáculo que tomou conta do noticiário por não ter dado explicações sobre seu retorno “repentino” aos Estados Unidos, onde mora com a mulher. A falta de informação fez com que viralizasse nas redes sociais a tese de que ele teria voltado de carona em um voo da Força Aérea Brasileira (FAB), motivando inclusive parlamentares a pedir investigação à Procuradoria-Geral da República sobre o susposto uso de aviões oficiais. Já entre os que conhecem o filósofo ultraconservador, o que se fala é que ele recebeu ajuda de amigos empresários paulistas para voltar para casa.

PARCERIA O deputado Eduardo Bolsonaro e Allan dos Santos nos Estados Unidos: o filho do presidente teria ajudado o blogueiro a sair às pressas do Brasil (Crédito:Divulgação)

Olavo estava no País desde julho, período em que foi internado três vezes em razão de problemas de saúde. Ele foi intimado a depor na PF no dia 9 de novembro, data em que o escritor informou que ainda recebia tratamento médico. Uma semana depois, Olavo já estava nos EUA, onde gravou um vídeo em que contou ter surgido um voo “repentino” para que ele pudesse voltar aos EUA. “Eu estava no hospital e me ofereceram um voo repentino para dali a 15 minutos. Eu não ia perder essa oportunidade. O pessoal chama de saída à francesa”, disse na gravação.

Depois de a FAB negar a versão de que a viagem tenha sido feita em um voo da Aeronáutica, na quinta-feira, 25, surgiu a informação de que Olavo deixou o hospital no dia seguinte da intimação da PF e foi de carro até Assunção, no Paraguai, de onde tomou um avião para Miami. Sua mulher teria comprado as passagens numa agência de viagens com dinheiro vivo. Essas duas versões só aumentaram o mistério em torno de quem ajudou o astrólogo a fugir do Brasil para evitar o depoimento à PF.

PATROCINADOR Embora negue, Luciano Hang costuma financiar projetos de Olavo de Carvalho (Crédito:Leopoldo Silva)

A versão mais polêmica para a evasão de Olavo do hospital foi dada pela escritora Daniela Abade, que fez uma série de publicações nas suas redes sociais em que apontava indícios de que Olavo havia deixado o País em um avião da FAB que, no mesmo dia, teria levado o ministro das Comunicações, Fábio Faria, para o exterior. A repercussão dessa série de posts foi tão grande que obrigou Faria e o comandante da Aeronáutica, Brigadeiro Baptista Júnior, a se manifestarem publicamente sobre o assunto. Ambos negaram as denúncias. “Fake news. Não conheço Olavo de Carvalho, nunca o vi na vida. É preciso investigar e punir esses devaneios que se espalham irresponsavelmente”, escreveu o ministro no Twitter. Já a Aeronáutica divulgou nota repudiando as suposições feitas pela roteirista. Nada disso, porém, foi suficiente para impedir que parlamentares da oposição se mobilizassem para pedir que o Ministério Público Federal investigue se a viagem que levou o mentor de Bolsonaro de volta para casa foi custeada ou não pelos cofres públicos.

“Ele saiu do Brasil às vésperas do depoimento. Coincidentemente, um avião da FAB saiu de São Paulo no mesmo dia em que Olavo foi para os EUA, num procedimento estranho, com o argumento incomum de apoio logístico de um ministro nos EUA”, ironizou o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP). “Pedimos investigação na PGR, informações à PF e para que a FAB informe os nomes dos cinco passageiros do voo e os custos para tal logística”. Não foi apenas a fuga de Olavo para os EUA que despertou suspeitas das autoridades brasileiras. Envolveu praticamente todo o período em que o conselheiro de Bolsonaro esteve no País — grande parte dele, internado em hospitais de São Paulo. No dia que desembarcou em São Paulo, deu entrada no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP para se tratar de uma crise de angina (dores no peito provocadas por redução de fluxo de sangue no coração), além de fazer uma revisão de uma cirurgia na bexiga, realizada em maio nos EUA. Dez dias depois, o astrólogo, que é cardiopata, recebeu alta, mas retornou ao Incor em 14 de agosto, desta vez com insuficiência cardíaca, renal e infecção urinária. Devido ao quadro, Olavo também passou por um cateterismo.

Ainda em agosto, Olavo foi transferido para a clínica Saint Marie, instituição privada localizada na zona Sul de São Paulo e que não atende o SUS. Lá, permaneceu por quase quatro meses, com direito a um segurança 24h na porta de seu quarto, à companhia de sua mulher e eventualmente uma ida ao supermercado sentado em uma cadeira de rodas. Segundo pessoas que já foram próximas do bolsonarista, Olavo contou com o suporte de alguns amigos empresários para retornar aos EUA, como Luciano Hang, dono da rede Havan. Afinal de contas, o astrólogo começou a sofrer com dificuldades financeiras assim que passou a fazer críticas a Bolsonaro e a parte de seus apoiadores. Questionado, Hang negou ter contribuído ou sequer recebido qualquer pedido de ajuda de Olavo, mas garantiu que ficaria “feliz e honrado” em colaborar caso fosse procurado.

Embora negue ter bancado a fuga de Olavo para os EUA, o governo Bolsonaro já ofereceu ajuda a outros aliados que são investigados pelo STF para que deixassem o País. Mensagens de junho de 2020 anexadas ao inquérito das fake news sugerem que o deputado Eduardo Bolsonaro agilizou o processo de regularização do passaporte do blogueiro Allan dos Santos e de sua família em viagem para os EUA. O capitão também ajudou o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, a deixar o Brasil. Bolsonaro permitiu que seu aliado fosse exonerado do cargo em junho do ano passado, só depois que ele desembarcasse em Miami, nos EUA.