Juridicamente Celso de Mello não morreu, até porque a esperança é a última que morre — que o diga o PT e o ex-presidente Lula, preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba desde abril do ano passado. A esperança, encarnada na terça-feira 25 no decano do Supremo Tribunal Federal, apenas tirou férias porque o Poder Judiciário entra agora em recesso e só volta a atuar em agosto. E por que está na escura toga do ministro Celso de Mello, reconhecidamente garantista, a clara esperança dos petistas? Porque é justamente ele o fiel da balança no pedido de ordem do habeas corpus liberatório de Lula, baseado na tese de seus advogados: o vazamento das conversas entre o então juiz Sergio Moro e procuradores da Lava Jato implicaria a extinção da sentença condenatória do líder petista. Cristiano Zanin Martins e sua mulher, Valeska Teixeira Martins, defensores de Lula na Justiça, alegam que os diálogos de Moro, sobretudo com o procurador Deltan Dallagnol, o “colocam sob suspeição”.

TUDO IGUAL Após promover na pauta o vaivém do HC, Gilmar Mendes perdeu: Lula segue preso em Curitiba (Crédito: Carlos Humberto)

Tudo poderia ter sido resolvido na terça-feira, definitivamente, mas a sala da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal tornara-se a cidade de Tebas, e nessa Tebas havia uma respeitável esfinge: Celso de Mello. De seu semblante saltava a mais cortante frase da história da humanidade: “decifra-me ou devoro-te”. Em bom português, com perdão da banalização, seria algo do gênero: adivinhe se meu voto vai soltar ou não o ex-presidente. Quem estava ali envolvido na questão, como Cristiano e esposa; quem estava ali para se aprimorar no Direito; quem estava ali porque passou e resolveu entrar para matar a tarde, todos, sem exceção, sentiram-se em estado de tensão. No início da noite, a presidente da Turma, ministra Cármen Lúcia, já determinara que os ministros só analisariam cautelarmente a liminar apresentada por Gilmar Mendes pela libertação de Lula. Após o recesso, aí sim, votariam o mérito do habeas corpus que alega a suspeição de Moro. O passar do tempo mais enerva do que desanuvia, e o clima se tornou ainda mais denso. A esperança, a esfinge, o decano, o ministro Celso de Mello ia começar a falar. E ningúem ainda o tinha decifrado.

Os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes votaram a favor da soltura de Lula, Cármen Lúcia e Edson Fachin, contra. Celso de Mello abriu a voz com uma fala que se deixou ficar, para o amanhã, feito nota sustenida no ar: “Que não se interprete o meu voto como sendo a antecipação de minha decisão futura quando do julgamento final do presente habeas corpus”. Pairou a dúvida na sala. Na sequência, o magistrado lembrou que votara a favor da suspeição de Sergio Moro em 2003, no caso Banestado, pelo fato de ele ter validado como prova o monitoramento dos voos do advogado de um doleiro. Aqueles que querem Lula solto acomodaram-se melhor nas poltronas, até valeram-se do encosto. O ministro concluiu alegando que se houve ou não alguma parcialidade de Moro no caso atual, isso deve ser melhor apreciado. Novamente as costas se arcaram para frente, corpos foram tensos para a beirada dos assentos das cadeiras. Celso de Mello votou, negou a liminar, deu placar final de três a dois contra Lula. Decisão só na volta da viagem, quem sabe no aziago agosto para os superticiosos. E Lula o é. Aziago agosto historicamente no Brasil.

Paletó apertado

Ao não dar uma solução final, a Segunda Turma do STF se preservou. Como explicar, afinal, que uma decisão tão importante, a partir de um habeas corpus, fosse pronunciada nesse momento de radicalismos pelo qual passa o País? Nesse momento de estabilidade social e econômica cada vez mais líquida? Nesse momento de choque entre os poderes republicanos mais visível a cada dia? Soltar liminarmente Lula, como queriam fazer Gilmar Mendes e Lewandowski, até se concluir se Moro veste ou não o apertado paletó da suspeição, e isso às vésperas de férias… Ou, indo pelo trilho inverso, reconhecer que há suspeição e colocar em risco toda a Lava Jato, e isso em vésperas de férias… O advogado Cristiano Zanin, esperançoso, declarou à imprensa ao final da sessão: “o ministro Celso fez três vezes a ressalva de que sua posição não era definitva”. E isso em vésperas de férias…

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