Com a paisagem marcada por pequenas roças que surgiram em volta de uma igreja secular em Barão de Cocais, cidade a cerca de 90 km de Belo Horizonte, o vilarejo do Socorro está desenganado. “É como ter um parente muito doente, a gente fica só imaginando a morte”, descreve a moradora Eliza dos Santos, de 54 anos.

Embora os sítios permaneçam de pé e as plantações continuem florescendo, não há mais ninguém por lá que se beneficie das colheitas. Isso desde a madrugada de 8 de fevereiro, quando os moradores acordaram com disparo de sirenes e foram retirados às pressas por causa do risco iminente de rompimento de uma barragem vizinha. Sob mira da lama de rejeitos, o povoado ficou deserto, até o gado foi removido. Hoje, já não existe esperança de voltar.

Encravado no sopé da mina de Gongo Soco, adquirida pela Vale em 2011 e desativada em 2016, o vilarejo de Socorro deve ser o primeiro alvo se a barragem Sul Superior – que está em nível 3 de alerta, o mais crítico, desde março – romper. O lamaçal pode engolir ainda os distritos de Tabuleiro, Piteiras e Vila do Gongo, que formam a chamada zona de autossalvamento, onde não haveria sequer tempo de correr.

Por isso, todos os 458 habitantes foram realojados em hotéis ou casas fora de risco, alugadas pela Vale. Deixaram para trás lavoura, animais, móveis, roupas, documentos e a própria rotina. No Socorro, Eliza era diretora da Escola Municipal Mestre Quintão, colégio rural que há 51 anos ensina crianças a ler e escrever. “A primeira sensação é de um sonho ruim, como se não tivesse acontecendo. Só depois a gente entende o risco que correu.”

Por causa da barragem, a Mestre Quintão passou a funcionar no anexo de outra escola, em uma região elevada. Os 42 estudantes foram transferidos para lá – carteiras e parte dos materiais foram doados pela Vale. “Toda aula a gente tem de reservar dez minutos para falar da barragem. É o tempo que as crianças têm para desabafar”, diz a professora Ana Paula Herculano, de 39 anos. “Agora os alunos estão, cada um, morando em um bairro diferente. No ano que vem, o provável é que façam matrícula na unidade mais próxima de casa. Ou seja, corre o risco de a escola não existir mais.”

Terra

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Na Vila do Gongo, outra área condenada, a agricultora Geralda Santos, de 79 anos, ganhou, por usucapião, o título do seu pedaço de terra na Justiça. Hoje viúva, ela criou dez filhos só com o que plantava. “Deixei milho para comer, deixei mandioca, deixei 60 cabeças de galinha. Tem um pomar de laranja, limão, jabuticaba”, conta. “Tudo está lá e eu, aqui.”

Geralda passou a morar com parte da família em uma residência mobiliada e paga pela Vale em Barão de Cocais, mas diz não se sentir em casa. Também está com saúde debilitada e precisa usar muleta para conseguir andar. “Não consigo nem dormir, tanta saudade”, diz.

Nesta semana, a apreensão na cidade aumentou, após notícia de que uma parede de contenção (talude) tem avançado 7 cm por dia. O desabamento da estrutura é dado como certo até domingo – resta saber se será o gatilho para o rompimento da barragem Sul Superior.

Pároco do Santuário São João Batista, o padre José Antonio de Oliveira, de 67 anos, diz estar cada vez mais preocupado com os fiéis em Barão de Cocais. “Na Semana Santa, muitos falaram em depressão durante a confissão”, afirma. Segundo ele, medidas preventivas, como simulados de evacuação, acabam causando efeito colateral. “O pessoal fica ainda mais assustado.”

Construído no século 19, o santuário é de arquitetura barroca, ostenta uma escultura atribuída a Aleijadinho e está localizado em área considerada segura. Agora, abriga também obras sacras da Igreja Nossa Senhora Mãe Augusta do Socorro. Construída em 1737, esta paróquia é a mais velha de Barão de Cocais e organiza a principal festa da cidade, que dura nove dias, em homenagem à padroeira do Socorro.

Outras áreas

Na previsão da prefeitura de Barão, se romper a mina de Gongo Soco, a lama também deve seguir pelo curso do rio e percorrer cerca de 18 quilômetros e atingir outros nove bairros – 3 mil casas e 6 mil pessoas. Em alguns pontos, o cálculo é de que leito chegue a 7 metros de altura.

Foi para indicar os locais com risco de inundação que a prefeitura pintou de laranja o meio-fio de ruas que podem ser atingidas. Entre elas, está a Getúlio Vargas – a principal via, apinhada de comércios -, agências bancárias, o coreto do município e o fórum. Já os prédios da prefeitura e da Câmara, além do hospital, estariam a salvo.

Nesta hipótese, a barragem despejaria 73% dos rejeitos – e não 100%, conforme foi considerado no último dam break, divulgado nesta quarta-feira, 22. “As áreas demarcadas levam em conta o pior cenário possível, do rompimento da barragem associado a uma chuva decamilenar”, diz o prefeito Décio dos Santos (PV). “Infelizmente, estamos preparados para o pior.”

Com o laranja nas calçadas, o comércio viu o movimento despencar. “É só passar uma viatura que todo mundo sai com medo achando que a barragem estourou, inclusive a gente”, diz a vendedora Carla Ferreira, de 25 anos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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