30/04/2021 - 9:30
Especial – Brasil 400 mil mortos
Uma decepção atrás da outra. A isso se resume o programa de vacinação contra a Covid-19 no Brasil. Paga-se um alto preço em salvar menos vidas humanas por causa do atraso de pelo menos três meses do Ministério da Saúde em se mover no mercado mundial para garantir o fornecimento do imunizante. Em cada cronograma mensal de vacinação que o governo federal divulga novas expectativas são frustradas. O País perdeu a prioridade para os laboratórios internacionais e fica à mercê de excedentes e sujeito a cortes de entrega repentinos. Em maio, o País terá apenas 32,4 milhões de doses de vacina, ante uma projeção inicial de 46,9 milhões, frustrada na semana passada. Em abril, o ministério já havia quebrado suas previsões. A situação deve ficar assim daqui para frente, sempre com menos vacinas do que o necessário.
Segundo o médico sanitarista e professor da USP Gonzalo Vecina Neto, a doença só deve ser controlada quando se garantir a cobertura vacinal de 60% da população brasileira, o equivalente a 150 milhões de pessoas. Mas, no ritmo atual, isso não vai acontecer antes de 2022, prazo que pode ser antecipado em um ou dois meses, segundo ele, se for confirmada a entrega de 100 milhões de doses da Pfizer, 38 milhões de doses da Jansen-Cilag e 40 milhões de doses da AstraZeneca. Diariamente a campanha é interrompida em algum lugar por falta de vacinas. Nos últimos dias, pelo menos dez cidades do estado do Rio suspenderam a aplicação da segunda dose para idosos. Na semana passada, o governo de São Paulo denunciou que o Ministério da Saúde esqueceu 100 mil doses de Coronavac num centro de distribuição.
Baixa cobertura
Neste momento, há pouco mais de 12 milhões pessoas totalmente imunes, ou seja, que tomaram as duas doses da vacina. Esse número equivale a ínfimos 5,8% da população. Os EUA, a partir do governo Biden, deu mais atenção à pandemia: há quase 100 milhões de pessoas imunes ao vírus. Os americanos estão chegando perto de proteger 30% da população, de 328 milhões de habitantes. Devido à lentidão de analise da Anvisa e às constantes revisões no cronograma, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, avisou que a vacinação dos grupos prioritários ficará para setembro, o que representa quatro meses de atraso em relação ao previsto no Plano Nacional de Imunização (PNI).
As deficiências de planejamento apresentadas pelo governo Bolsonaro impuseram ao País o pior momento da pandemia. A infectologista da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, Raquel Stucchi, entende que a partir da percepção da necessidade de vacinação, em outubro do ano passado, o governo deveria ter organizado uma ampla aquisição de vacinas e assumido o compromisso de imunizar as pessoas rapidamente. “Mas não foi isso que aconteceu, eles se esforçaram para boicotar as vacinas”, afirma. Na semana passada, a Anvisa negou o registro da russa Sputnik V, o que também deve reduzir a oferta de imunizante.
No contexto da pandemia, a administração federal se mostrou aliada do coronavírus, mas progressivamente o País contou com a expertise e o planejamento de suas principais entidades de saúde: o Instituto Butantan, que fabrica a Coronavac em parceria com laboratório chinês, Sinovac, e com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), produtora da vacina Oxford, desenvolvida em cooperação com a AstraZeneca. O Butantan já entregou, neste ano, 41,4 milhões de doses ao PNI, e, com o intuito de acelerar o processo de imunização tomou a iniciativa de desenvolver um imunizante próprio. Estão sendo produzidas 18 milhões de doses da nova vacina Butanvac para uso imediato, já na primeira quinzena de junho, só aguardando a aprovação da Anvisa. Em meio à mortandade pela pandemia, o tardio e errático planejamento do Ministério da Saúde prevê a aquisição de mais 400 milhões de doses até o fim de 2021. Difícil acreditar.