Especial – Brasil 400 mil mortos

Uma decepção atrás da outra. A isso se resume o programa de vacinação contra a Covid-19 no Brasil. Paga-se um alto preço em salvar menos vidas humanas por causa do atraso de pelo menos três meses do Ministério da Saúde em se mover no mercado mundial para garantir o fornecimento do imunizante. Em cada cronograma mensal de vacinação que o governo federal divulga novas expectativas são frustradas. O País perdeu a prioridade para os laboratórios internacionais e fica à mercê de excedentes e sujeito a cortes de entrega repentinos. Em maio, o País terá apenas 32,4 milhões de doses de vacina, ante uma projeção inicial de 46,9 milhões, frustrada na semana passada. Em abril, o ministério já havia quebrado suas previsões. A situação deve ficar assim daqui para frente, sempre com menos vacinas do que o necessário.

Segundo o médico sanitarista e professor da USP Gonzalo Vecina Neto, a doença só deve ser controlada quando se garantir a cobertura vacinal de 60% da população brasileira, o equivalente a 150 milhões de pessoas. Mas, no ritmo atual, isso não vai acontecer antes de 2022, prazo que pode ser antecipado em um ou dois meses, segundo ele, se for confirmada a entrega de 100 milhões de doses da Pfizer, 38 milhões de doses da Jansen-Cilag e 40 milhões de doses da AstraZeneca. Diariamente a campanha é interrompida em algum lugar por falta de vacinas. Nos últimos dias, pelo menos dez cidades do estado do Rio suspenderam a aplicação da segunda dose para idosos. Na semana passada, o governo de São Paulo denunciou que o Ministério da Saúde esqueceu 100 mil doses de Coronavac num centro de distribuição.

CORRIDA CONTRA O TEMPO Fiocruz intensifica a produção
da vacina da AstraZeneca (à esq.); comunicado da Anvisa desaconselha importação da russa Sputnik V (Crédito:Bruna Prado)

Baixa cobertura

Neste momento, há pouco mais de 12 milhões pessoas totalmente imunes, ou seja, que tomaram as duas doses da vacina. Esse número equivale a ínfimos 5,8% da população. Os EUA, a partir do governo Biden, deu mais atenção à pandemia: há quase 100 milhões de pessoas imunes ao vírus. Os americanos estão chegando perto de proteger 30% da população, de 328 milhões de habitantes. Devido à lentidão de analise da Anvisa e às constantes revisões no cronograma, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, avisou que a vacinação dos grupos prioritários ficará para setembro, o que representa quatro meses de atraso em relação ao previsto no Plano Nacional de Imunização (PNI).

As deficiências de planejamento apresentadas pelo governo Bolsonaro impuseram ao País o pior momento da pandemia. A infectologista da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, Raquel Stucchi, entende que a partir da percepção da necessidade de vacinação, em outubro do ano passado, o governo deveria ter organizado uma ampla aquisição de vacinas e assumido o compromisso de imunizar as pessoas rapidamente. “Mas não foi isso que aconteceu, eles se esforçaram para boicotar as vacinas”, afirma. Na semana passada, a Anvisa negou o registro da russa Sputnik V, o que também deve reduzir a oferta de imunizante.

“No ritmo atual, o Brasil não terá cobertura vacinal até o começo do ano que vem” Gonzalo Vecina Neto, médico sanitarista (Crédito:Divulgação)

No contexto da pandemia, a administração federal se mostrou aliada do coronavírus, mas progressivamente o País contou com a expertise e o planejamento de suas principais entidades de saúde: o Instituto Butantan, que fabrica a Coronavac em parceria com laboratório chinês, Sinovac, e com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), produtora da vacina Oxford, desenvolvida em cooperação com a AstraZeneca. O Butantan já entregou, neste ano, 41,4 milhões de doses ao PNI, e, com o intuito de acelerar o processo de imunização tomou a iniciativa de desenvolver um imunizante próprio. Estão sendo produzidas 18 milhões de doses da nova vacina Butanvac para uso imediato, já na primeira quinzena de junho, só aguardando a aprovação da Anvisa. Em meio à mortandade pela pandemia, o tardio e errático planejamento do Ministério da Saúde prevê a aquisição de mais 400 milhões de doses até o fim de 2021. Difícil acreditar.