Todos os dias, o Brasil perde cerca de 120 pessoas para a violência no trânsito, o equivalente à queda de um avião lotado. Em 2023, foram quase 35 mil vítimas fatais, um número que supera as mortes por arma de fogo e coloca o país como o quarto mais letal do mundo em números absolutos. Especialistas são categóricos: não se trata de uma sucessão de acidentes, mas do resultado direto da omissão de políticas públicas e de uma cultura de impunidade.
- Números da crise: o Brasil registrou quase 35 mil mortes no trânsito em 2023, um aumento em relação aos anos anteriores e um descumprimento da meta nacional de redução.
- Causas do problema: especialistas apontam uma combinação de leis bem-feitas, mas mal aplicadas, falta de fiscalização, planejamento urbano que prioriza o carro e uma “cultura de leniência” com o infrator.
- Os mais vulneráveis: pedestres, ciclistas e, principalmente, motociclistas, representam 61% de todas as vítimas fatais, reflexo de um modelo de cidade que os deixa desprotegidos.
- Ranking global: o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial de mortes no trânsito, atrás apenas de Índia, China e Estados Unidos, segundo a OMS.
Leia também:
Uma meta descumprida e o retrocesso político
Em 2018, o Brasil lançou o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito, com o objetivo de cortar a mortalidade pela metade até 2030. No entanto, os números seguem na contramão. Para o Secretário Nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, a gestão presidencial anterior contribuiu para um retrocesso, com um discurso que “falava contra a segurança” e beneficiou infratores com mudanças no Código de Trânsito.
A ‘indústria da infração’ e o planejamento falho
A percepção de impunidade é um dos pilares da crise. Para Sérgio Avelleda, consultor em Mobilidade Urbana, a reclamação popular contra radares, taxados de “indústria da multa”, mascara o problema real. “A indústria da multa só existe porque existe infração de trânsito. O insumo da indústria da multa não é o radar, é a infração”, afirma.
Essa falha na fiscalização se soma a um problema estrutural: o desenho das cidades. O planejamento urbano que empurra a população para periferias distantes, sem oferecer transporte público de qualidade, força o uso de motocicletas, que já representam quase 39% dos acidentes fatais. Paulo Guimarães, CEO do Observatório Nacional de Segurança Viária, ilustra o drama: “em São José dos Campos, 76% dos leitos hospitalares estão ocupados por motociclistas vítimas de trânsito”.
Para Avelleda, a normalização da tragédia é o mais alarmante. “Imagine se caísse um avião todos os dias com 120 pessoas a bordo? No terceiro dia, paralisava a aviação”, conclui, questionando por que a mesma comoção não ocorre com as mortes diárias no asfalto.
O Que Pode Ser Feito?
Reverter o cenário de violência no trânsito brasileiro exige um esforço coordenado em múltiplas frentes. Com base nos problemas apontados por especialistas, as principais soluções envolvem:
- Fiscalização Rigorosa e Tolerância Zero: Aplicar o Código de Trânsito Brasileiro de forma efetiva, aumentando a presença de fiscalização (eletrônica e humana) para combater a sensação de impunidade e desconstruir a “cultura de leniência” com infrações.
- Investimento em Transporte Público: Oferecer alternativas de transporte coletivo de qualidade, seguras e acessíveis para reduzir a dependência do transporte individual, especialmente das motocicletas, que hoje são a principal fonte de vítimas.
- Planejamento Urbano para Pessoas: Redesenhar as cidades para priorizar a segurança de pedestres, ciclistas e motociclistas, com a construção de ciclovias protegidas, calçadas seguras e medidas de acalmamento de tráfego (como redução de limites de velocidade em áreas urbanas).
- Políticas de Estado Contínuas: Garantir que a segurança viária seja tratada como uma política de Estado, imune a retrocessos e discursos políticos que minimizem a gravidade do problema, assegurando a continuidade de planos como o Pnatrans.
- Educação e Conscientização: Realizar campanhas contínuas que mostrem o impacto real da violência no trânsito, tratando o tema como uma crise de saúde pública e não como uma fatalidade inevitável.