Oito grupos de esquerda se engalfinham na disputa pelo controle do PSOL, um partido de esquerda fundado em 2004 por dissidentes do PT e que tem hoje como seu principal líder o deputado federal e ex-candidato à Presidência da República Guilherme Boulos (SP). Esses segmentos internos se dividem em dois blocos. Um é visto internamente como mais à direita e apoia o governo Lula, chamado de “PSOL de todas as lutas”, atualmente majoritário na direção. O outro é formado por correntes mais à esquerda, a “Oposição de Esquerda”, que critica duramente a política econômica do ministro Fernando Haddad (Fazenda).
O primeiro bloco é liderado por Boulos (SP) e, o segundo, por deputados como Sâmia Bomfim (SP) e Glauber Braga (RJ). Além dessas oito tendências que compõem os dois blocos antagônicos, existem ao menos outros sete grupos políticos diferentes abrigados no partido. Entre os 15, no total, vários são remanescentes de partidos de esquerda, como o PT e o PSTU.
O racha no PSOL veio a público no início de fevereiro com a revelação, pelo PlatôBR, da demissão do economista David Deccache, assessor econômico da liderança da bancada do PSOL na Câmara dos Deputados. Deccache, doutor em Economia pela UnB (Universidade de Brasília), foi desligado, segundo militantes do partido, por causa de suas críticas ao governo e a Fernando Haddad. Deccache não poupava o governo em suas análises em lives e entrevistas a veículos da mídia tradicional e em canais de esquerda nas redes sociais.
Oito parlamentares do bloco “PSOL de Todas as Lutas”, que hoje dirige o partido, afirmaram em nota que a demissão de Deccache não teria ocorrido por divergência política, mas porque ele teria feito “ataques públicos” a parlamentares e à presidente do partido, Paula Coradi. Assinaram a nota os parlamentares Boulos, Luciene Cavalcante, Erika Hilton e Ivan Valente, de São Paulo; Henrique Vieira, Talíria Petrone e Tarcísio Motta, do Rio de Janeiro; e Célia Xakriabá, de Minas Gerais.
Foram solidários a Deccache e teriam votado contra a sua demissão cinco outros deputados do PSOL: Sâmia Bomfim e Luiza Erundina, de São Paulo; Chico Alencar e Glauber Braga, do Rio; e Fernanda Melchionna, do Rio Grande do Sul.
A direção do PSOL diz que a questão de fundo da polêmica é que um grupo do partido estaria atuando de “maneira pública e desrespeitosa” numa tentativa “de jogar o PSOL na oposição ao governo Lula”. A maioria do partido decidiu, com 67% dos votos de seus militantes, apoiar o governo Lula, em 2022, como contribuição para a “derrota da extrema direita”, de acordo com nota do partido.
O embate entre as várias correntes do PSOL tem gerado problemas e dificuldades até na convivência entre os militantes. O economista Deccache diz que não havia ambiente para trabalhar na liderança na Câmara.
“O clima era insustentável. A coordenação, subordinada a Boulos, pressionava para alterar pareceres técnicos e empurrar a bancada a votar com o governo, mesmo em pautas contrárias ao programa e à história do PSOL. E o pior: quem se recusava a manipular informações era perseguido e exposto”, reclamou ao PlatôBR o economista. Deccache. Com a demissão, ele deve trabalhar no gabinete de algum parlamentar dos grupos à esquerda que manifestaram solidariedade a ele.
Arcabouço fiscal
Entre as duas alas opostas, houve divergências e debates acirrados nos últimos meses em torno de medidas como o arcabouço fiscal criado no governo Lula – o grupo de Boulos defendeu um “sim crítico” e o outro rejeitou a medida -, e sobre o pacote fiscal do governo enviado pelo governo ao Congresso, que incluía outras medidas consideradas prejudiciais à população, como restrições no Benefício de Prestação Continuada (BPC), no abono salarial e no salário mínimo. A direção do partido, a princípio, defendeu a proposta do governo, mas depois recuou.
Houve polêmica também sobre a decisão do PSOL de ingressar com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra os acordos de leniência na Lava Jato. Os grupos à esquerda disseram não ter sido sequer consultados e insinuaram que Boulos estaria agradando doadores de suas campanhas eleitorais.
No debate sobre o PL 12/2024, do governo, sobre a regulamentação do trabalho dos motoristas de aplicativo, os grupos mais à esquerda dizem também ter rejeitado a proposta da direção do partido argumentando que ela atenderia aos interesses da Uber.
Dissidência do PT
O PSOL nasceu em julho de 2004 e foi fundado pela senadora Heloísa Helena (AL) e pelos deputados federais Babá (PA), João Fontes (SE) e Luciana Genro (RS). Os quatro haviam sido expulsos do PT, por decisão de seu diretório nacional, por votarem contra a reforma da Previdência. Os parlamentares se recusaram a acatar a orientação da direção do partido alegando tratar-se de um projeto tradicionalmente rejeitado pelo PT. À época, os quatro rejeitavam também a política econômica e as alianças do governo petista, além da forma de condução do partido.
Em 2006, o PSOL lançou a candidatura de Heloísa Helena à Presidência da República, que obteve 6,5 milhões de votos e terminou a disputa em terceiro lugar. Em 2010, outro ex-petista, Plínio de Arruda Sampaio (morto em 2014), teve 866 mil votos e ficou em quarto lugar.
Hoje, os oito principais grupos que disputam o comando do PSOl são os seguintes: Revolução Solidária (Boulos, Henrique Vieira, Erika Hilton, Luciene Cavalcante, Sonia Guajajara, Celia Xakriabá); Primavera Socialista (Ivan Valente); Subverta (Talíria Petrone); Insurgência (Tarcísio Motta) e Resistência (Valério Arcary), que compõem o bloco aliado do governo Lula. No outro bloco mais à esquerda, estão os grupos Movimento Esquerda Socialista, o MES (Sâmia Bomfim, Fernanda Melchiona e Luciana Genro); Fortalecer o Psol (Glauber Braga) e Ação Popular Socialista (Hilton Coelho, da Bahia). São considerados independentes os deputados Chico Alencar e Luiza Erundina.