Empreendedora com foco na causa do gênero, Fabi Saad Niemeyer transformou em realidade o desejo de incentivar outras mulheres a seguir seus sonhos profissionais, independentemente de quais fossem. Está à frente de um projeto que oferece capacitação, empregabilidade e geração de riqueza para mulheres por meio do aplicativo Mulheres Positivas. Ela já conseguiu o engajamento de 120 empresas no empreendimento, que oferece 81 mil vagas de trabalho – o maior serviço de oferta de vagas para mulheres na América Latina. Nesta entrevista à ISTOÉ, Fabi fala sobre estereótipos de gênero, machismo e assédio no ambiente corporativo, defende cotas para mulheres como “processo transitório para corrigir desigualdades” e lembra que quando se investe na mulher, se investe também na família – e em uma próxima geração mais desenvolvida, capaz de transformar o País em um lugar mais justo. Fabi Saad é formada em Comunicação Social, com MBA em Marketing Digital e graduação em Oxford no Women Leadership Program. Este ano, foi considerada uma das 20 mulheres mais influentes do Brasil pela Forbes.

Como surgiu o Projeto Mulheres Positivas?
Eu sempre quis ser executiva, empreendedora, e ouvia que pelo fato de ser mulher seria mais difícil. No mercado de trabalho, tive a sensação de que qualquer opinião era colocada em segundo plano pela questão do gênero. O machismo estrutural sempre me incomodou, então comecei a escrever sobre mulheres, a contar histórias que pudessem inspirar outras mulheres. Minha intenção era, de alguma maneira, incentivá-las para que pudessem seguir seus sonhos, independentemente de quais fossem.

Considera que vem alcançando o que almejava, apesar das tentativas de te convencer de que as mulheres deveriam ficar marginalizadas?
Sou o que sempre sonhei, uma empreendedora, uma executiva. Mas meus sonhos foram mudando no decorrer do tempo, e hoje quero transformar vidas através do meu trabalho. Minha missão é essa, trabalhar para garantir mais empregabilidade, mais geração de riqueza, mais segurança para as mulheres. Enfim, transformar cada vez mais vidas positivamente.

Quais são as frentes de atuação do projeto Mulheres Positivas?
O movimento nasceu com meu livro, o “Empreendedoras.coaching – Dicas de mulheres inspiradoras”, e hoje estou escrevendo a quarta obra, que devo lançar em breve. Mas o produto com mais força e mais poder de transformação, hoje, é o aplicativo Mulheres Positivas. Por meio dele consigo escala na oferta de capacitação, empregabilidade e geração de riqueza para mulheres. A transformação de verdade só acontece com escala no atendimento: são 81 mil vagas, o maior serviço de oferta de vagas de trabalho para mulheres na América Latina.

De que forma as empresas podem promover iniciativas concretas para a maior inclusão de mulheres?
Hoje tenho 120 empresas que são signatárias do projeto, entre elas a Infojobs, com o maior canal de empregabilidade. O que eles fizeram na nossa parceria foi desenvolver um filtro, uma segmentação, só para mulher, e canalizar isso por meio do Mulheres Positivas. Não há custo nenhum para as empresas: a única coisa que elas têm que fazer é oferecer vagas de trabalho para mulheres e disponibilizá-las no aplicativo. E quanto a gente diz mulheres, são todas: mulheres trans, LGBTQIA+. Em troca, as empresas recebem o selo Mulheres Positivas, que atesta que eles apoiam a causa ESG, a causa do gênero.

Como funciona o SOS Mulher?
Dois anos atrás, eu lancei, junto com o Governo do Estado de São Paulo, a plataforma SOS Mulher. São três pilares fundamentais, os mesmos do Mulheres Positivas: empregabilidade e geração de riqueza, segurança e saúde. O SOS Mulher tem o botão do pânico, desenvolvido juntamente com a Polícia Militar, que oferece prioridade no envio de viatura para mulheres que tenham medida protetiva. O objetivo é evitar violência e morte. Oferecemos também vídeos de delegadas, médicas, promotoras de Justiça, dentistas, conteúdos bem simples e de fácil compartilhamento, para que mais mulheres tenham acesso a informações que podem significar um ganho na qualidade de vida delas.

E o Waze da Volência, o que é e como funciona?
No app Mulheres Positivas há uma função chamada “Caminho delas”. Se quiser ir caminhando, por exemplo, da sua casa para a aula de judô da sua filha, você insere sua localização e informa para onde quer ir. É como se fosse um mapa de calor, abastecido pelas próprias usuárias, então elas vão apontar locais onde sofreram qualquer tipo de violência para que outras mulheres possam se beneficiar dessas informações. Foi lançado há dois meses, quando fizemos um tributo em prol da mulher no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, com uma orquestra sinfônica composta por mulheres, junto com estrelas da música brasileira, como Mart’nália e Liniker, estrela trans. Todas mulheres. E 100% do lucro foi doado para o Instituto Dona de Si, da Suzy Pires.

A presença de mulheres em postos de comando cresceu, mas elas ainda são tratadas de forma inadequada, certo?
Ainda há muita falta de respeito. Em reuniões, as mulheres são interrompidas, têm menos acesso a espaços de poder e de tomada de decisão. Vou dar uma opinião polêmica: sou a favor da cota de gênero. É um processo transitório para corrigir desigualdades. As cotas são necessárias porque ainda somos minoria em conselhos, em cargos que têm a caneta para assinar o cheque. E dentro de casa, os homens precisam entender a importância de participar da divisão das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos. A emancipação da mulher só vai acontecer fora de casa quando for possível dentro de casa. Caso contrário, ela nunca vai conseguir se desenvolver por completo.

Seu projeto oferece um espaço de reflexão para discutir o posicionamento das próprias mulheres na sociedade?
Com certeza. Eu vivi, e ainda vivo, o machismo. Viro a mesa dia sim, dia não. Não me importo quando dizem que eu sou agressiva. Porque, às vezes, quando quero ser ouvida, lanço mão de algumas ferramentas das quais os homens não precisam. Tenho que ser mais incisiva. Dizer que a mulher é agressiva, está menstruada, está histérica, tem conotação sexista, são todos estereótipos de gênero.

Mulheres ainda são submetidas ao assédio no ambiente de trabalho. Como lidar com isso?
Temos que trabalhar para que a sociedade mude: falar a respeito, denunciar e discutir esses temas. São agendas que temos que começar a impor. Nunca passei por nenhum episódio de assédio sexual, mas sempre fui alvo de falas do tipo “nossa, você está indo muito bem na empresa, deve ser amiga de alguém”, ou “fulano deve gostar muito de você”. É abuso moral. E acontece com muito mais frequência do que a gente imagina. Da mulher que tem bons resultados no ambiente corporativo ainda se diz que foi beneficiada por algum homem. Já o homem foi bem-sucedido pelos próprios méritos. Essa é uma violência importante e perturbadora, que se passa na vida de muitas mulheres todos os dias.

Os homens vêm evoluindo?
Eu vejo uma evolução, mas ainda temos uma longa estrada. As empresas, mais do que falar, têm que começar a implementar soluções que de fato possam ajudar as mulheres, que é o que nos propomos a fazer: oferecer vagas de trabalho, cursos, ferramentas que possam auxiliar na segurança da mulher. Tem muita fala e pouca execução. É importante lembrar que quando se investe na mulher, se investe na família – e também em uma próxima geração mais desenvolvida, capaz de transformar o nosso país num lugar com mais oportunidades para todos.

Como explicar o feminismo para as mulheres?
De forma bem simples e direta. É um movimento que luta para que mulheres possam ser tão respeitadas quanto os homens e ter as mesmas oportunidades. Dentro de casa o homem também pode cozinhar, lavar, passar. Todos temos as mesmas obrigações, tanto na criação dos filhos, quanto nas tarefas domésticas, e também os mesmos direitos, como o direito ao descanso. Muitas vezes as mulheres com maior poder aquisitivo não conseguem entender o que é dia a dia da mulher brasileira, e essa compreensão também é necessária para o enfrentamento do machismo. A mulher que está levando o Brasil para frente é a que está trabalhando fora e pegando três, quatro conduções todos os dias, que acorda às quatro da manhã, cozinha, limpa a própria casa, e depois vai trabalhar na casa de outras pessoas. Ela volta para casa no fim do dia, ajuda na lição dos filhos e ainda apanha do marido. Tem muitas mulheres de maior poder aquisitivo que, por nunca terem passado por nenhum tipo de violência em casa, me dizem que não sabem do que eu estou falando. Se a gente realmente está pensando em um País mais desenvolvido, é preciso pensar principalmente na base da pirâmide.

O Brasil é um país machista, mas para a mulher preta a situação é ainda pior?
Exato. Escrevo às vezes com a Joyce Trindade (secretária municipal de Políticas e Promoção da Mulher na Prefeitura do Rio de Janeiro). Fiz o lançamento do tributo do Mulheres Positivas na Casa das Pretas, no Rio, porque é preciso dar voz também a essas mulheres. Não basta falar só com a mulher rica. É preciso ajudar todas as camadas, principalmente as que precisam mais.

Do que você mais se orgulha na sua trajetória no projeto Mulheres Positivas?
O que mais me dá orgulho é perceber que muitas mulheres estão se desenvolvendo pessoalmente e profissionalmente através de produtos e serviços que eu desenhei e executei e que hoje funcionam. Dialogo com muitas mulheres, viajei com o projeto Amigos do Bem para algumas das cidades com os piores IDHs do Brasil, converso com mulheres em comunidades, como em Paraisópolis. Me emociona conversar com as mulheres que realmente sofrem, que estão vivendo a pão e água, que sobrevivem em lugares onde não tem chuva e nem saneamento básico. São essas as mulheres mais prejudicadas. Ouvi mulheres que vivem situações de violência doméstica, estive em delegacias, ouvi relatos de gente que não conseguia sair disso, por dependência financeira ou emocional, por medo da rejeição da própria família. A realidade é muito dura, especialmente para essas mulheres, e tenho muito orgulho quando vejo que estamos ajudando a melhorar vidas.