As ciências sociais distinguem atualmente dois sentidos para o termo elite, ambos potencialmente úteis para a análise da realidade política de um país. O primeiro, que denominarei elites abstratas, diz respeito aos ápices de quantas pirâmides queiramos construir com base em critérios de prestígio, nível educacional, renda, patrimônio etc. O mais importante, contudo, é o segundo sentido, que faz referência a grupos reais. Tais grupos destacam-se pela posse de vultosos recursos econômicos e pela capacidade de balizar os governos e, assim, os próprios destinos de um país. Mediante contatos formais e informais, tais grupos ajudam a evitar situações que requeiram o emprego da força em crises estressantes para a ordem constitucional.

Estudiosos clássicos asseveram que uma elite plural, diversificada e habituada ao debate público contribui de forma substancial para o fortalecimento da sociedade democrática, aparando arestas e facilitando a canalização de interesses conflitantes para a arena política.

Um dado curioso de nossa história recente é que o PT e a esquerda de modo geral amaldiçoavam “a elite”, dando de barato que o Brasil possuía uma. Mas possuía mesmo? Se possuísse, sua base seria o Nordeste da cana-de-açúcar ou a cafeicultura paulista? A primeira capotou séculos atrás, quando o Brasil (entenda-se: Portugal) perdeu o controle do fornecimento do açúcar para o mercado mundial. Daí em diante, o Nordeste sentou gostosamente no colo do estado, reforçando suas características patrimonialistas. A cafeicultura surgiu em São Paulo, com potencial ainda maior de dar sustentar uma elite autônoma. Mas, também nesse caso, no início do século XX, o excesso do produto no mercado mundial nos fez perder o controle. Falido, o empresariado cafeicultor reuniu-se em 1906, na célebre Convenção de Taubaté, e também se aconchegou nas dobras do estado patrimonialista.

Mais tarde, quando surgiu a indústria, o novo empresariado já nasceu cooptado pelo modelo do sindicalismo corporativista imposto por Getúlio Vargas. Foi assim que, longe de controlar o patrimonialismo, nossas supostas elites lhe deram um longo e poderoso alento. Quem esperava que o estado patrimonialista morreria de morte morrida precisa urgentemente entender que ele está aí, vivo e forte, como o grande obstáculo à retomada do crescimento econômico.

Da colônia ao Brasil contemporâneo, jamais desenvolvemos uma classe dirigente genuinamente autônoma e progressista. Preferimos o aconchego paralisante do estado patrimonialista

 

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