11/12/2020 - 15:31
Rodrigo Maia foi um dos algozes de Jair Bolsonaro na primeira metade de seu mandato.
Como presidente da Câmara dos Deputados, ele soube usar bem as duas principais prerrogativas de seu cargo: definir a pauta das votações e iniciar processos de impeachment do Presidente da República.
Maia bloqueou todas as iniciativas irresponsáveis ou reacionárias do bolsonarismo – no campo dos costumes, do meio ambiente ou do uso de armas. Não acionou, entretanto, a bomba atômica que seria um impeachment (sendo que pedidos não faltaram em sua mesa).
Com isso, conteve o presidente e seus apoiadores aloprados, ao mesmo tempo que preservou um espaço de “normalidade” para que pudessem ser votadas medidas como a reforma da Previdência, o novo marco do saneamento e o novo Fundeb.
Bolsonaro se ressente dessa gestão que foi moderada e moderadora dos seus apetites. Por isso, entrou com tudo na campanha para eleger o deputado Arthur Lira como sucessor de Maia.
Lira é réu no Supremo por corrupção, e está numa situação periclitante em seu Estado, Alagoas, onde pesam sobre ele acusações de ter comandado um esquema de rachadinhas na Assembleia Legislativa.
Nada disso incomoda Bolsonaro. Sua família é especialista em desviar dinheiro público confiscando o salário de servidores; a tão falada aversão do presidente à corrupção era pura lorota. Se Lira oferta lealdade, Bolsonaro vai de Lira.
As notícias que vêm de Brasília são escabrosas. O governo pôs na mesa ministérios, cargos e dinheiro para arrebanhar apoio ao seu candidato. Nunca esse tipo de negociação, que Bolsonaro demonizou como toma-lá-dá-cá, foi tão fisiológico e tão desprovido de qualquer base programática quanto agora.
Lira faz seus próprios lances. Ele tem hoje cerca de 160 deputados no seu campo. Faltam 100 votos, mais ou menos, para garantir uma vitória. Ele tenta pescá-los na esquerda. O PSB quer morder a isca. Há tratativas com o PT.
Mas por que o PT apoiaria o candidato de Bolsonaro? É que a legenda de Lula e o Centrão, do qual Lira é expoente, têm interesses em comum: aliviar a barra de quem foi flagrado em algum esquema criminoso nos últimos tempos. Mudanças na Lei da Ficha Limpa e medidas para enterrar de vez a Lava Jato estariam no rol de promessas.
A candidatura de Lira vai ganhando tração porque Rodrigo Maia cometeu um erro crasso. Em vez de articular a sucessão no auge do seu prestígio como nêmesis de Bolsonaro, ele resolveu esperar uma decisão do Supremo sobre a possibilidade de continuar na cadeira por outros dois anos. Quando a decisão veio, foi negativa. Nesse meio tempo, surgiram divisões no bloco político de Maia. Aliados naturais se irritaram com seu desejo de ficar no poder por mais tempo que o combinado. Uma gestão de continuidade deixou de ser favas contadas.
As próximas semanas vão mostrar se o propósito de manter Bolsonaro em xeque é forte o bastante para aglutinar partidos com interesses e ideologias muito diferentes. Não se trata da famosa “frente ampla” para disputar eleições em 2022. Não acho que essa tenha a menor chance de baixar das nuvens.
Mas talvez seja possível uma concertação mais modesta, feita apenas para limitar os movimentos de um presidente incompetente e truculento, e repetir a experiência bem sucedida da Câmara nos últimos dois anos.
Eleições na Câmara têm importância quando alteram o jogo de forças entre o Congresso e o Executivo. Caso contrário, são somente uma troca de nomes, sem maior significado.
Quando Eduardo Cunha passou a dirigir a Casa, em 2015, o governo de Dilma Rousseff começou a ruir. Foi um exemplo de eleição com impacto decisivo.
A escolha do sucessor de Rodrigo Maia pode ter um efeito semelhante, ainda que com sinal trocado. Cunha foi protagonista na queda de Dilma; o novo presidente da Câmara poderá fortalecer Jair Bolsonaro, ou até mesmo pavimentar o seu caminho para um segundo mandato.