Integrante do Parlamento Inglês e liberal empedernido, John Stuart Mill tornou-se o primeiro político a defender, no longínquo ano de 1860, o direito da mulher ao voto. Mas à época, por razões sobejamente conhecidas hoje, não conseguiu superar uma maioria resistente: uma petição de sua autoria foi derrotada por 194 a 73 — um massacre. O principal argumento contrário ao voto de mulheres era de que as casadas não expressariam uma voz diferente da de seus maridos, o que geraria duplicidade de votos. Hoje, dois séculos depois do debate suscitado por Mill e 72 anos após a Constituição brasileira garantir a obrigatoriedade plena do voto para as mulheres nos mesmos termos exigidos aos homens, o cenário é diametralmente oposto: são elas que exercem influência direta sobre as escolhas dos maridos e da família. Daí o poder das mulheres nas eleições deste ano. Não por acaso, dos 13 aspirantes ao Planalto, cinco escolheram mulheres como vices na chapa. O objetivo não é outro senão tornar o candidato à Presidência mais palatável ao eleitorado feminino, hoje majoritário — 52,5% do total de eleitores. Dos 147,3 milhões de cidadãos aptos a votar nas próximas eleições, 77,3 milhões são mulheres.

O voto da mulher embute uma característica bem particular. É cristalizado na reta final da campanha, portanto é mais cuidadoso e dotado de cores mais racionais, que fazem com que uma gama variada de aspectos envolvendo os candidatos seja minuciosamente ponderada. “Historicamente, as mulheres aguardam que o quadro de informações das campanhas esteja mais completo, e só se interessam mais fortemente pelas eleições quando o horário eleitoral gratuito começa e os debates entre os candidatos são realizados. Mais ainda, as eleitoras ficam na expectativa de algo que afete diretamente a vida da população, como propostas para a saúde, educação, desemprego e segurança”, afirma Fátima Pacheco Jordão, socióloga e autora de um amplo estudo sobre o poder do voto feminino. A atriz Thays Beltrami, 26 anos, encaixa-se neste perfil. “Só votaria em alguém que assinasse um documento se comprometendo com suas promessas.”

Os números são eloqüentes. Nada menos que 80% das mulheres ainda não se definiram (54% estão indecisas e 26% declararam voto branco ou nulo), de acordo com as pesquisas. Entre os homens, o índice é de 58%. Ou seja, a mais imponderável disputa eleitoral desde a redemocratização terá seu desfecho quando as mulheres escolherem em qual candidato depositarão suas esperanças para comandar o País. A porcentagem nunca foi tão elevada. Em agosto de 2014, as indecisas somavam 72%. Em 2006, 49%. Os dados são de pesquisa do Instituto Datafolha feita em junho. Na quarta-feira 15, a divulgação do levantamento da Paraná Pesquisas confirmou a diferença de intenção de votos entre a população feminina e masculina. Em pesquisa estimulada sem o ex-presidente Lula na disputa, 27% das mulheres não tinham candidato, contra 18,8% entre os homens. Os números configuram um cenário novo. “É a primeira vez que se dá a medida do peso do eleitorado feminino no País”, afirma a historiadora Teresa Cristina Marques, da Universidade de Brasília e autora do livro “O voto feminino no Brasil”, lançado em março.

Mais cautelosas

As razões que explicam uma discrepância tão grande têm origem em circunstâncias históricas e guardam relação com o contexto atual do País. O voto feminino no Brasil só foi assegurado sem qualquer tipo de restrição pela Constituição de 1946, dezoito anos depois de a potiguar Celina Viana se transformar na primeira brasileira a ter direito de votar graças à uma lei estadual de autoria do então governador do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine. Entre o voto de Celina e o direito pleno de sufragar sucederam-se legislações que permitiam a ida das mulheres às urnas, mas dentro de várias condições. Em 1932, por exemplo, o Código Eleitoral previa o direito de escolher somente às mulheres casadas, com autorização dos maridos, e às solteiras e viúvas com renda própria.

As oportunidades desiguais no acesso às urnas ajudam a explicar o fato de as mulheres, ao longo do tempo, serem mais cautelosas na escolha. O momento atual do País, imerso em uma crise política, ética e econômica, também influencia as diferenças na percepção do que desejam homens e mulheres. É consenso entre ambos os gêneros: a corrupção é um dos maiores problemas do Brasil. Não seria diferente após quatro anos de Operação Lava Jato e suas evidências dos prejuízos impostos ao País. Mas enquanto para eles a moralização da administração pública deve ser prioridade, segundo pesquisa do Ibope e Confederação Nacional da Indústria, para elas os alvos devem estar associados à solução de problemas do dia a dia. De acordo com o Datafolha, por exemplo, 46% das entrevistadas afirmaram que o presidente deve priorizar a saúde e 18%, a educação. “Elas lidam com demandas mais difíceis de a administração pública responder com eficácia”, afirma Fátima Jordão.

A crise financeira tornou a necessidade de atendimento pelo Estado mais aguda, com a urgência de tratamento em hospitais públicos ou de mais vagas em creches e escolas. “As mulheres foram as mais prejudicadas com os cortes”, afirma a cientista política Hannah Maruci, do Grupo de Estudos de Gênero e Política da Universidade de São Paulo. Outra demanda própria do público feminino é o combate à violência, especialmente a doméstica. “Só votaria em um candidato com pautas concretas nas áreas básicas necessárias para viver com dignidade, como segurança para a mulher”, diz Júlia do Nascimento, 20 anos, estudante e operadora de telemarketing. Sem atender a anseios como esses, os candidatos vão falar ao vento. “Não há mais espaço para políticas generalistas”, diz Hannah.

Reconhecer o protagonismo da mulher na eleição significa conseguir os votos não apenas delas, mas deles também. E aqui está uma virada histórica no comportamento das sociedades. “O eleitorado feminino inicia tendências que são acompanhadas pelos homens”, atesta Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha. A maioria dos candidatos já percebeu isso ao escolher mulheres como suas vices, o que tornou estas eleições a com maior número de postulantes ao cargo. Em 2014, foram três candidatas a vice para 11 candidatos. Todas de nomes de menor importância na disputa. E uma concorrente à Presidência, que acabou reeleita: Dilma Rousseff, do PT. Agora, dos 13 candidatos ao cargo, quatro têm mulheres como vice: Ana Amélia (PP), vice de Geraldo Alckmin (PSDB); Kátia Abreu (PDT), vice de Ciro Gomes (PDT); Sônia Guajajara (PSOL), vice de Guilherme Boulos (PSOL); e Suelene Balduino (Patriota), vice do Cabo Daciolo (Patriota). E uma quinta mulher, Manuela D’Ávila (PCdoB), será a vice de Fernando Haddad (PT) assim que o TSE indeferir o registro da candidatura do ex-presidente Lula. Além deles, disputam a Presidência Marina Silva, da Rede, e Vera Lúcia, do PSTU.

Se em 2014 30% dos cargos de vices foram destinados às mulheres, agora são 40%. No caso de Geraldo Alckmin, a opção pela jornalista e senadora gaúcha Ana Amélia teve um triplo objetivo: ganhar espaço entre as mulheres, entre os gaúchos e entre os produtores rurais, com os quais a senadora tem uma forte base de diálogo.

Vices estratégicas

Ao perder os apoios que buscava entre os partidos de esquerda, Ciro Gomes, do PDT, optou por uma vice de perfil bem parecido com o de Ana Amélia. Sua companheira de chapa, a senadora Kátia Abreu, é também ligada ao agronegócio. Ela não era o nome preferido dos coordenadores da campanha de Ciro. Foi a escolhida porque o candidato precisa tirar votos de Alckmin para chegar ao segundo turno. Sem o apoio dos partidos de esquerda, necessita ampliar suas chances junto ao empresariado. E Kátia ainda pode ter a função de ajudar a estabelecer pontes de Ciro com o PT. Ela foi ministra da Agricultura da ex-presidente Dilma e se tornou sua amiga. Saiu do MDB e foi para o PDT justamente porque foi contra o impeachment.
Parte do complexo tripé criado pelo PT para disputar as eleições, Manuela D’Ávila está destacada para fazer o perfil de “esquerda raiz” na chapa, contrapondo o estilo de Fernando Haddad, um tipo mais acadêmico para o qual muitos petistas torcem o nariz. Egressa do movimento estudantil, levará para a campanha temas relacionados à causa feminina, como a legalização do aborto.

Marina Silva, da Rede, apontará pontos destinados a atingir o alvo feminino. Ela promete ampliar a participação das mulheres nos principais cargos de tomada de decisão do País. Para combater o alto índice de desemprego, defende uma especial atenção às mulheres chefes de família que hoje estão sem trabalho. Seu programa de governo também abordará as demandas femininas na área de educação, propondo, entre outras medidas, a ampliação do número de creches.

Os candidatos já perceberam que, hoje, as mulheres influenciam os votos dos maridos e da família toda

Programa para elas

Titular de uma chapa masculina, que tem como vice o ex-governador do Rio Grande do Sul Germano Rigotto, Henrique Meirelles, do MDB, considera que seu perfil mais técnico se adapta ao gosto das mulheres. Na campanha, apresentará um programa para o público feminino que ele batizou de “Pró-Criança”. Semelhante ao Pro-Uni, que concede crédito para os estudantes conseguirem vagas em universidades particulares, o Pró-Criança promete oferecer o mesmo às mães de baixa renda para que coloquem seus filhos em creches, maternais e escolas de primeiro grau privadas. Jair Bolsonaro, do PSL, não incluiu uma mulher em sua chapa, mas bem que fez força para isso. Bateu na trave a jurista Janaína Paschoal, que alegou razões familiares para não seguir adiante. Sobrou como vice o general Hamilton Mourão. Mesmo assim, Bolsonaro se esforça como nunca para seduzi-las depois de ter dito, entre outros absurdos, que, depois de gerar quatro filhos, “fraquejou” e teve uma mulher. Nas eleições das mulheres, repetir ofensas como essas, mesmo que em tom de brincadeira, como alega o candidato, é mais do que uma heresia. Pode significar a perda da eleição.

Colaboraram Rudolfo Lago e Wilson Lima, de Brasília