A troca no comando da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), promovida na semana passada pelo presidente Lula, marca o fim de uma era na qual essa empresa pública federal, dominada nos últimos quatro anos pela ideologia bolsonarista e operando sob a tutela de militares, viu-se obrigada a fechar os olhos à realidade – significou, acima de tudo, dinheiro público empregado em cabides de emprego e foi utilizada para promoção pessoal do ex-presidente e seus aliados – ao funcionário que se negava a compactuar, a perseguição era implacável. Com as mudanças em geral que agora ocorrem graças ao novo governo, espera-se que haja a retomada de sua função original: o oferecimento de programação de qualidade. A EBC é responsável pela gestão dos veículos de comunicação do governo federal, e, dentre outros, comanda a TV Brasil, a Agência Brasil e a Rádio Nacional. A destituição da diretoria foi precipitada pela cobertura “chapa cinza” que fez da invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes, minimizando a gravidade da situação a tal ponto de os terroristas serem classificados como “manifestantes”. Iniciada a limpeza da EBC, Lula chamou para ser a diretora-presidente a jornalista Kariane Costa, servidora de carreira que vinha sendo ameaçada de demissão – ela denunciava o sistemático assédio moral no ambiente de trabalho.

QUEM ENTRA Kariane Costa, nova diretora-presidente da EBC, e o ministro Paulo Pimenta: compromisso de uma gestão republicana (Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Estava na presidência, até então, o publicitário Glen Lopes Valente, ligado a Fabio Wajngarten, da ala ideológica do bolsonarismo e ex-chefe da Secretaria de Comunicação na gestão Bolsonaro. Está mais do que explicada a razão pela qual militares foram alocados em postos estratégicos, a exemplo dos coronéis do Exército Rony Baksys Pinto, na Diretoria-Geral, e Marcio Kazuaki Fusissawa, na Diretoria de Administração, Finanças e Pessoas. “Houve um processo de captura”, diz Paulo Pimenta, atual ministro da Secretaria de Comunicação. “A EBC mais parecia um quartel que um espaço de comunicação pública, em que a democracia tem de ser um princípio fundamental”. Ele vai além: “Espero que no próximo mês concluamos o desenho da EBC e que ela volte a ser respeitada pela credibilidade”.

Momentos marcantes da Empresa Brasil de Comunicação se deram quando ela se tornou Empresa Bolsonaro de desinformação. E tudo feito com dinheiro público. A TV Brasil entrevistou a médica Nise Yamaguchi, renitente defensora da hidroxicloroquina, mesmo quando já estava comprovada a ineficácia dessa droga no tratamento da Covid. O deputado federal Eduardo Bolsonaro ganhou espaço para falar sobre a campanha pela aprovação de seu nome para a embaixada do Brasil em Washington. A missão de entrevistar o filho do presidente fora dada ao jornalista Moisés Rabinovici, da EBC em São Paulo, que à época estava à frente do programa Um olhar sobre o mundo. Ele, no entanto, se negou a participar da farsa, já que teria de seguir um roteiro pré-definido de perguntas, vindo de Brasília, e não poderia fazer seus próprios questionamentos. “Eram perguntas para levantar a bola do deputado”, explica ele, que decidiu não se sujeitar.

QUEM SAI Glen Lopes Valente: amigo de Wajngarten, da ala ideológica do bolsonarismo (Crédito:Carolina Antunes)

Com Lula no Planalto, vai agora para o lixo um instrumento ideológico medievalesco. Trata-se do índex que existia na empresa sobre expressões e temas proibidos. Não se podia, por exemplo, utilizar o termo ditadura militar, não se podia abordar questões relativas a direitos humanos e violência policial, não se podia fazer qualquer menção a Marielle Franco. Um dos mais vergonhosos momentos ocorreu em janeiro de 2021, quando a TV Brasil esteve proibida de exibir as imagens da primeira pessoa vacinada no País contra o coronavírus. Motivo: Bolsonaro era contra a Coronavac, primeiro imunizante disponibilizado no País, graças ao empenho de João Doria, então governador de São Paulo. Bolsonaro odeia democratas, Doria é democrata, fica fácil concluir. “Daqui para frente, como ocorrerá em todos os órgãos públicos, também a EBC respeitará os princípios republicanos da transparência”, diz o ministro Pimenta. Decorrência desse novo enfoque republicano é o respeito à democracia e à laicidade do Estado: ou seja, não pode a EBC privilegiar nenhuma religião ou crença – ou são todas, ou não é nenhuma. Acabou o tempo onde reinava uma única opção, claramente exposta quando se comprou com dinheiro do erário, por cerca de R$ 7 milhões, os direitos de exibição das novelas Os Dez Mandamentos e A Terra Prometida.

Colaborou Ana Viriato