Há casamentos por conveniência, em que o casal não se separa por causa da divisão de bens, e há casamentos em que o casal se separa, pelo menos de fachada, e os dois continuam amigos e sócios. Esse parece ser o caso da empresária do ramo de informática Maria Cristina Boner Leo, de 58 anos, e o advogado Frederick Wassef, de 53, que até domingo passado representava judicialmente o senador Flávio, seu irmão Carlos e seu pai Jair Bolsonaro.

Cristina e Wassef foram casados por mais de dez anos e até hoje são sócios, inclusive em vários terrenos em São Francisco do Sul (SC) e na cidade de Atibaia (SP), onde a polícia prendeu, na semana passada, o ex-motorista de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz. O ex-PM, amigo de Bolsonaro há 40 anos, foi preso no escritório de advocacia de fachada de Wassef, em Atibaia, onde o advogado tem outros terrenos em sociedade com a ex-mulher.

Frederick Wassef e Cristina Boner mantêm uma parceria muito suspeita: mesmo depois de separados continuam sócios (Crédito:Divulgação)

Wassef e Cristina continuam praticamente morando juntos. Tanto que no dia da prisão de Queiroz o advogado estava na casa da ex-mulher em Brasília. Fontes da ISTOÉ dizem que os dois ainda têm uma relação muito próxima, ou seja, manteriam um relacionamento de marido e mulher. Wassef é amigo dos Bolsonaros há seis anos e, quando estava casado oficialmente com Cristina (na verdade era uma união estável), os dois frequentavam juntos a casa de Jair e Michelle, no Rio. Depois que Bolsonaro se elegeu presidente, Wassef passou a ser íntimo do casal presidencial. Cristina e Michelle se tornaram grandes amigas. O advogado é praticamente “um ministro sem pasta” e frequentava o Palácio do Planalto com desenvoltura, além do Palácio do Alvorada, residência presidencial, praticamente em todos os finais de semana. O advogado foi à residência oficial do presidente pelo menos três vezes no final de semana após a demissão do ministro Sergio Moro. Há informações de que ele deu palpites na indicação do substituto de Moro e também opinou sobre a nova direção da PF, pois ele concordava com o presidente sobre a necessidade de mudar o superintendente da PF no Rio, onde Flávio é investigado.

Land Rover para Bolsonaro

A amizade com o mandatário é tão forte que Wassef vangloria-se de ter convencido Jair a ser candidato a presidente. Em 2015, por exemplo, sua mulher Cristina, já respondendo a inúmeros processos por corrupção, com contratos milionários junto ao governo federal, vendeu a Bolsonaro um dos seus carros de luxo, uma Land Rover blindada, ano 2010, por R$ 77 mil em valores da época. Nos bastidores, Wassef dizia que ele havia dado o veículo de presente ao então deputado federal. A venda, ou doação de um carro, é petisco para o casal. A relação de Wassef com Cristina gira em torno dos milhões, que ela recebe do governo. Só nos primeiros 17 meses da administração Bolsonaro, a empresa de Cristina, a Globalweb, do grupo TBA, embolsou R$ 41,6 milhões, além de ter aditivados seus contratos de fornecimento de equipamentos de informática em mais R$ 165 milhões, totalizando R$ 218 milhões a receber dos cofres da União. “Wassef disse que advogava para o presidente de graça. Agora sabemos de onde vinha o dinheiro que ele recebia de Bolsonaro”, disse a deputada Joice Hasselmann.

MULHER DE NEGÓCIOS Cristina posa de boa moça, mas sempre esteve envolvida com negócios suspeitos e corrupção (Crédito:Divulgação)

Até o próprio presidente está apreensivo com a possibilidade de Wassef sair magoado da relação. Afinal, depois que ficou comprovado que o advogado escondia Queiroz em seu sítio em Atibaia por mais de um ano, numa clara obstrução à Justiça, a família Bolsonaro o destituiu das ações em que ele representava tanto Flávio, no caso das rachadinhas, quanto o próprio presidente, no episódio da facada dada por Adélio Bispo. Wassef foi o advogado de Bolsonaro também no processo em que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) pediu, e ganhou na Justiça, uma indenização de R$ 10 mil pelo fato de o então deputado Jair ter dito que não a estupraria porque ela era feia. O Planalto teme que Wassef possa se transformar em um “homem-bomba”, sobretudo pelo que pode vir a falar, razão pela qual o presidente estaria “pisando em ovos” para não provocar a ira do advogado. Até porque, a família Bolsonaro já tem outras ameaças pairando no ar, como a prisão de Queiroz e a iminente detenção de Márcia Oliveira de Aguiar, mulher do ex-assessor de Flávio, que está foragida. Márcia e Queiroz são outras duas bombas-relógio armadas contra a família presidencial. Se optarem pela delação premiada, o que teriam a dizer poderia fazer grandes estragos. Além de Wassef, a própria Cristina Boner agora também pode se transformar em outra fonte de problemas aos Bolsonaros, dado que seus negócios com o ex-advogado de Flávio são muito suspeitos.

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Quando começou na atividade de comercialização de produtos de informática a governos, Cristina Boner até que fazia as coisas direito. Fundou o grupo TBA em 1992 e teve a esperteza de se transformar na revendedora da Microsoft para o governo brasileiro. Conheceu Bill Gates e, ainda durante o governo de FHC, vendeu computadores para o Ministério da Educação no valor de R$ 16 bilhões. Sua empresa decolou, passou a ter 1.700 funcionários e um faturamento de R$ 500 milhões anuais. Uma mulher bem-sucedida. Mas, daí, veio o governo Lula e logo ela se meteu em negócios escusos, permeados de corrupção. Como era de Ribeirão Preto, onde conheceu o então prefeito Antonio Palocci, logo encontrou facilidades para negociar com o governo petista. Aproximou-se do então ministro José Dirceu e tornou-se sócia de Valdomiro Diniz, que acabou protagonizando o primeiro grande escândalo no governo lulista, acusado de receber propinas de grupos ligados a loterias. Desmanchou a parceria com Diniz depois da tormenta, mas continuou vendendo grande quantidade de produtos de tecnologia, tanto para o governo Lula como para o governo Dilma, Até para o governo Temer ela vendeu seus produtos. Dos governos Dilma e Temer ela recebeu um total de R$ 42 milhões. O que chamou a atenção, porém, foi a explosão de ganhos no governo Bolsonaro. Em 17 meses de gestão bolsonarista, ela já abocanhou R$ 41,6 milhões e teve aditados outros contratos no valor de R$ 165 milhões, elevando o valor que tem a receber do governo para R$ 218 milhões. Para aumentar o faturamento no governo Bolsonaro, certamente Cristina contou com a ajuda de Wassef, conhecido na família Bolsonaro como “anjo”. Ele faz questão de divulgar sua ligação com o presidente até em entrevistas, como a dada à Rádio Gaúcha, em abril, na qual disse saber “de tudo sobre a família Bolsonaro”.

Cristina e Wassef são sócios desde o início dos anos 2000, quando estiveram casados. Possuem vários terrenos e propriedades em conjunto. Teve um negócio entre eles, no entanto, que nunca cheirou muito bem. Cristina acha que Wassef quis lhe passar a perna. O advogado dos Bolsonaro ganhou de herança dos pais, Fayes e Josefina Wassef, um terreno enorme na cidade de Atibaia, próximo ao sítio onde ele tem o escritório que serviu de esconderijo a Queiroz. O terreno, por estar às margens do Rio Atibaia, é atingido por alagamentos. Mesmo assim, Wassef o vendeu para Cristina Boner, em 2010, quando ainda estavam casados, pelo valor de R$ 2,9 milhões. A empresária queria construir no local um prédio comercial, mas para fazer a obra precisaria investir em drenagens, elevando o nível do terreno, o que aumentaria em muito os custos da edificação. Por isso, ela deu a propriedade para pagar um empréstimo bancário, mas ele ainda está em seu nome. Aliás, esse não é o único imóvel de Wassef em São Paulo: ele tem seis terrenos, no valor de R$ 1 milhão, dois deles em Atibaia, em sociedade com Cristina.

DESPREZADO Depois de ter escondido Queiroz em seu sítio, Frederick Wassef foi destituído pelo presidente: virou um problema para a família Bolsonaro (Crédito:DIDA SAMPAIO)

A corrupção em vídeo

A parceira do advogado dos Bolsonaros com Cristina começou a entrar em parafuso no governo de José Roberto Arruda (DEM), do Distrito Federal, a partir de 2007. Suas empresas, a TBA e a Globalweb, faziam negócios com o governo do DF, algo em torno de R$ 40 milhões anuais à época, em troca do pagamento de propinas. Cristina chegou a doar R$ 1 milhão para a campanha de Arruda, via caixa dois, mas o que pegou mesmo contra ela foi o fato de o ex-secretário de Arruda, Durval Barbosa, ter gravado em vídeo várias reuniões em que ele distribuía dinheiro vivo aos políticos ligados a Arruda. O próprio governador foi filmado pegando um pacote com R$ 50 mil. Outros políticos foram fotografados enchendo os bolsos com notas de R$ 100. Foi um escândalo, que levou à cassação de Arruda, e ficou conhecido como Operação Caixa de Pandora. Em 2009, quando Cristina ainda estava casada com Wassef, Barbosa disse que o dinheiro das propinas era pago pelas empresas de Cristina. Ela foi denunciada por corrupção pelo então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que pediu que ela fosse condenada a 15 anos de prisão, por 168 acusações de corrupção ativa. Determinou também que ela devolvesse aos cofres públicos R$ 43 milhões. O processo ainda está em andamento. Em 2019, ela foi condenada por improbidade administrativa pela 2ª Vara da Fazenda Pública, em Brasília, razão pela qual ficou proibida de fazer negócios com o governo até 2022, mas foi absolvida na quarta-feira, 24. Por isso, Cristina passou a empresa para a filha Bruna Boner Leo. Wassef ainda é o advogado de Cristina em todos esses rumorosos casos de corrupção. Mas a maré de azar está generalizada para ele. Afinal, até a ex-mulher divulgou uma nota, na última segunda-feira, 22, dizendo que vai tomar a iniciativa de tirar o nome de Wassef de todos os seus negócios. O “anjo” virou tóxico para todos os que o cercam, e Cristina reabriu sua lavanderia.

Outro lado

A empresária Cristina Boner e a empresa Globalweb enviaram notas de esclarecimento à ISTOÉ na tarde desta sexta-feira, 26, criticando o teor da reportagem “A dona da lavanderia”, publicada na edição desta semana da revista, de número 2633. Na nota enviada à redação em seu nome, Cristina Boner contesta a reportagem dizendo que nunca teve sociedade em negócios com o advogado Frederick Wassef e que não responde a vários processos por corrupção. Nega também pertencer ao quadro societário da Globalweb, dizendo que a empresa participa de disputas eletrônicas, sem qualquer tipo de interferência política. Diz que as empresas de seu gurpo “também possuem uma equipe de compliance que segue as mais modernas práticas de gestão”.
Já a nota da Globalweb esclarece que “os valores recebidos por serviços regularmente prestados a órgãos federais durante o governo Bolsonaro são 70% menores ao totalizado nas gestões Dilma e Temer”. Diz que “uma avaliação correta do volume de negócios realizados com o Governo Federal deve levar em conta o resultado anual da Globalweb e das demais empresas que existiam anteriormente e que foram incorporadas pela mesma. Incluindo o saldo de todas as contratações, os valores recebidos em 18 meses do atual governo (até junho de 2020) somam R$ 65 milhões. Enquanto que nos Governos Dilma/Temer fecharam em R$ 221,3 milhões. Em 2019, foram recebidos R$ 41 milhões, os valores mais baixos desde 2015”. Ainda segundo a nota da Globalweb, assinada por seu CEO, Pedro Rondon, “todos os contratos conquistados junto ao governo foram resultado de processos licitatórios eletrônicos disputadíssimos, vencidos de forma transparente e lícita”.


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