Angela Merkel finalmente está descansando. E, pelo menos por enquanto, a mulher “mais poderosa do mundo” não parece muito preocupada com a aposentadoria. Segue tranquila. Da mesma forma que comandou a Alemanha como chanceler por 16 anos, em quatro mandatos consecutivos, entre 2005 e 2021, desarma os ansiosos que querem saber sobre sua nova fase de vida. Diz que aos 67 anos já não tem muito tempo e, por isso, “vai pensar cuidadosamente” sobre o assunto. Depois de passar o cargo, ela deixou de frequentar os palácios, esqueceu as reuniões com os líderes mundiais e foi vista comprando um par de tênis em uma loja de Berlim. Essa valorização da vida prosaica e anônima era marca registrada de antecessores no governo alemão, como Helmut Kohl.

VIDA SIMPLES Angela Merkel é vista com o marido Joachim Sauer nas ruas de Berlim, onde moram em um apartamento pequeno (Crédito:Divulgação)

No poder, a ex-chanceler já tinha sido flagrada em supermercados. Mesmo com o sucesso, nunca deixou de valorizar suas origens. Depois se formar em Física e se tornar doutora e Química Quântica, casar com Ulrich Merkel e entrar na política aos 35 anos, a alemã criada na antiga Alemanha Oriental virou interlocutora de quatro presidentes dos EUA, quatro da França e cinco primeiros-ministros da Grã-Bretanha. Ao longo de seus quatro mandatos, a “Mutti” (“Mãe”) driblou com austeridade a crise econômica em 2008; determinou, depois da tragédia nuclear em Fukushima em 2011, o fechamento de todas as usinas nucleares na Alemanha até 2022; mediou o conflito russo-ucraniano que virou uma guerra pela Crimeia em 2014; acolheu 1,5 milhão de refugiados sírios e iraquianos em 2015, e se viu diante da maior pandemia em um século.

Escritores especulam

Nos últimos anos, ela conteve a onda antidemocrática de Donald Trump e salvou a União Europeia de se desintegrar na esteira do populismo do Brexit. Analistas começam a considerá-la a maior líder alemã desde que Konrad Adenauer promoveu a refundação do país após a Segunda Guerra. Atualmente, Merkel leva uma vida modesta em um pequeno apartamento onde vive com o segundo marido, Joachin Sauer, um professor de física quântica na Universidade Humboldt, de Berlim, que tem contrato pelo menos até o ano que vem. Consta que a ex-”Bundeskanzlerin” alterna uma rotina de leituras de livros e cochilos com suas habilidades culinárias, que incluem a sopa de batata (um clássico da cozinha alemã) e bolo de ameixa com cobertura crocante. O casal vai todos os anos ao Festival Richard Wagner, em Bayreuth, e passa temporadas na casa de verão em Hohenwalde, a 80 quilômetros de Berlim. Angela gosta de viajar. Nada que pareça impossível para a pensão mensal de 15 mil euros (R$ 96,5 mil) a que tem direito.

Em um exercício de imaginação sobre o que Angela Merkel poderia fazer agora, o escritor alemão David Safier especula que a ex-chanceler vai se entediar rapidamente com a vida bucólica de caminhadas e assados, depois de livrar-se do peso da Alemanha e da Europa. Como outros autores, ele imagina o destino dela. Fez um exercício ficcional: inventou que, como a Miss Marple dos romances policiais de Agatha Christie, ela dará de cara com um caso de assassinato perto de sua casa de campo e iniciará a carreira de “Miss Merkel”.

NA COZINHA A ex-chanceler se encarrega das compras no supermercado, escolhendo ingredientes para refeições em casa (Crédito: Lukas Schulze)

Para o psiquiatra e escritor Filipe Doutel, a aposentadoria de Angela Merkel será tranquila, “família”. Filha de um pastor luterano e uma professora de inglês, ela deverá manter os hábitos simples que formaram sua personalidade, ao contrário de muitos poderosos que se inebriam com a ostentação e não esquecem os dias de glória. Doutel acredita que a ex-chanceler seguirá os sonhos dourados de muitos alemães e ingleses, rumo à ensolarada costa italiana. “Não me surpreende que passe férias na ilha de Ischia, ao lado de Nápolis. É tradicional que europeus viajem para essas estações climáticas, com águas termais e banhos de lama vulcânica.”

A diversão, para Angela Merkel, sempre será espartana, afirma Doutel. “Nada das farras de um Silvio Berlusconi ou o lobismo sem limites de um Tony Blair, muito menos os safáris com matança de elefantes de um rei Juan Carlos da Espanha ou os clubinhos de um príncipe Andrew. Ela foge desse perfil. É discreta. Driblou com elegância atitudes grosseiras e machistas, como Jair Bolsonaro rindo ao dizer que pisou no pé dela, ou Putin colocando um enorme cão na sala em que a recebeu, sabendo que ela morre de medo de cachorros. Ela tem o perfil ‘gente como a gente’, com os pés no chão.” Um exemplo que é admirado por todos no mundo inteiro, mas, infelizmente, seguido por poucos.