Como um tufão que varre tudo por onde passa, a direita ganhou as eleições na capital espanhola, Madri. A vitória acachapante de reeleição de Isabel Díaz Ayuso para a Presidência da Comunidade de Madri, território que engloba a metrópole e cidades ao redor, como um estado no Brasil, foi superior à quantidade de cadeiras que os três maiores partidos de esquerda conseguiram. A conquista confortável proporcionou à coalizão ultradireitista 77 cadeiras: 64 para o Partido Popular, de Ayuso, e 13 para o Vox, franquista e ultraconservador. Já a coligação de esquerda acabou com 59 acentos divididos entre PSOE, Mais Madri e Podemos.

A vitória de Ayuso foi antes de mais nada uma disputa em relação a diferentes abordagens de combate à pandemia. Ela se opôs fortemente às medidas de lockdown que obtiveram êxito no continente e especialmente em Portugal, país vizinho. A Espanha teve mais de 78 mil mortes em decorrência da Covid-19. Só em Madri foram mais de 15 mil. Mesmo assim, Ayuso fez uma campanha baseada em sua gestão que defendeu a liberdade de circulação dos madrilenhos. Em julho do ano passado, momento em que o governo central deu autonomia para que as comunidades lidassem com as medidas sanitárias localmente, Ayuso liberou a atividade de bares e restaurantes. “Em Madri vamos abrir”, afirmou na época. A população aparentemente ficou satisfeita com as medidas de Ayuso, que foram responsáveis pela expansão da doença na capital espanhola. Os asilos foram altamente atingidos e há denúncias de que Ayuso impediu que idosos fossem transferidos para hospitais. “O seu governo é uma mistura de erros e perversidade, mas difícil de provar”, afirma Luiz Peres Neto professor da Universidade Autônoma de Barcelona e pesquisador ESPM. “O trabalho de Ayuso foi tão ruim que a diretora geral de Saúde Pública, Yolanda Fuentes, se demitiu”, reforça o especialista, que vive em Barcelona.

ONDA CONSERVADORA Agora mira o governo central dos sociais-democratas: com vistas ao pleito de 2023 (Crédito:Pierre-Philippe Marcou)

Entre as razões para a vitória de Ayuso está o fato de Madri ter peculiaridades no cenário espanhol. A capital é governada há 26 anos pelo mesmo grupo político de maioria conservadora. Nos bairros mais afastados, a narrativa “trumpista” colou. A força do discurso vitorioso veio alinhada ao pensamento de elevar o tom em torno do anticomunismo. Ayuso e seu partido souberam analisar a conjuntura e optaram pela antecipação das eleições. Como o regime é parlamentar, o líder do executivo pode dissolver o parlamento local e convocar eleições antecipadas. Originalmente o pleito estava marcado para 2023.

O discursivo polarizado marcou o pleito madrilenho. Membros de partidos de esquerda receberam ameaças de morte. Pablo Iglesias, líder do Podemos, recebeu cartas que continham balas de fuzil usadas pelo Exército espanhol entre os anos 1960 e 1980. “Sua esposa, seus pais e você estão condenados à pena de morte. Seu tempo está se esgotando”, dizia a carta dirigida a Iglesias. O fracasso eleitoral foi a gota d’água para que o Iglesias resolvesse encerrar sua participação no jogo político espanhol. Com 7,21% dos votos, ele renunciou ao cargo de vice-primeiro-ministro no governo do premiê Pedro Sánchez. Iglesias não foi o único membro do governo ameaçado. A ministra do Turismo, Reyes Maroto, do PSOE, também recebeu uma mensagem ameaçadora. Ao invés de projéteis, o envelope continha uma faca com gotas de sangue. “Ameaças e violência nunca silenciarão a voz da democracia. A liberdade prevalecerá”, reagiu a ministra. Mesmo sem força nacional, Ayuso, o seu PP e o Vox vão tentar, nos próximos dois anos, se contrapor ao governo de centro-esquerda de Sánchez.Mas dificilmente conseguirá reproduzir a onda conservadora a nível nacional. O país deve continuar polarizado. Pior para a saúde da população e melhor para o coronavírus, que consegue se expandir quando política se sobrepõe à ciência.