SUPREMACISTAS Membros da Ku Klux Klan se reúnem nos Estados Unidos
para afirmar sua superioridade racial (Crédito:Divulgação)

Seria ridículo se não fosse trágico. A manifestação noturna montada na frente do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo autodenominado grupo 300 do Brasil, liderado pela ativista bolsonarista Sara Winter, ficará marcada pelo esvaziamento e falta de importância. O protesto serviu para espernear contra o relator do inquérito das fakenews, o ministro Alexandre de Moraes, atual inimigo número 1 dos radicais, a quem Sara chamou de “arrombado”. Mas o que pretendia ser uma grande ameaça direitista parecia um teatro ordinário, cheio de jovens grã-finos carregando tochas ou usando máscaras do personagem Jason, num clima de falsa Ku Klux Klan. Para um grupo que diz ter 300 participantes juntar apenas 30 almas penadas no protesto é, no mínimo, uma vergonha. O que não surpreende porque essa nova extrema-direita brasileira é absurda e sem vergonha. Esses grupos radicais que ganham forma agora no Brasil misturam símbolos neonazistas, fascistas, supremacistas e autoritários de um modo geral, falam muito palavrão e querem se assentar no poder. O ídolo momentâneo é o ditador Benito Mussolini, citado por Bolsonaro numa postagem. É um pessoal que toma leite, precioso líquido dos extremistas, para ser afirmar ideologicamente. Apesar do leite, cultivam a aparência de malvados e o poder dissuasivo. Exibem armas e, obviamente, todos defendem um golpe militar.

Sara Winter ou Sara Fernanda Giromini, 27, que começou sua vida pública atuando como agitadora feminista, defendendo o direito ao aborto e ao topless, é um dos exemplos mais bem acabados desse novo extremismo. Ela era libertária, foi uma das fundadoras do grupo Femen Brasil, mas diz que, em 2014, após sofrer um aborto, decidiu mudar de lado e passou a rezar pela cartilha da extrema-direita. Convertida ao cristianismo, diz-se defensora da família tradicional brasileira, luta contra a discussão de gênero, as drogas, a doutrinação marxista, a jogatina e a prostituição.

Gosta de exibir armas e se mostrar agressiva e desbocada. Hoje é uma das apoiadoras mais ferrenhas do presidente Jair Bolsonaro, tem um cargo no governo e comanda os 300 do Brasil. Parte dos membros do grupo está alojada em Brasília num acampamento situado no núcleo rural Rajadinha, entre Paranoá e Planaltina. A propriedade foi escolhida por cumprir o objetivo de dificultar a aproximação de estranhos e evitar olhares curiosos. Sara foi um dos alvos da operação da Polícia Federal que investiga as fake news, sob ordens do ministro Alexandre de Moraes. Nas redes, Sara divulgou vários impropérios e palavrões contra o ministro e a PF e disse que se recusará a depor.

Em sua cruzada para promover torturadores e fascínoras, Bolsonaro postou uma citação de Mussolini no Twitter em que convoca a população a morrer lutando pela liberdade

Tiros nos antifascistas

Outro expoente dessa onda extremista é o deputado estadual Daniel Silveira (PSL-RJ), que ao longo da semana disse, numa transmissão pelo YouTube, que estaria disposto a atirar em manifestantes antifascistas se houvesse um enfrentamento. Ex-policial, Silveira é conhecido por ter sido filmado quebrando uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL) nas eleições de 2018. Também é alvo da mesma operação da PF que atingiu Sara Winter. Nos últimos meses se tornou muito ativo no YouTube e depois dos protestos de domingo publicou vários vídeos que mostram muito bem o espírito da nova extrema direita. Em um deles chamou os participantes de um protesto antifascista que aconteceu, domingo 31, na Praia de Copacabana, de “vagabundos” e, em outro, ameaçou se dirigir ao grupo, declarando a um policial do isolamento que estava armado. “Eu vou lá. Vamos ver se eles são de verdade. O primeiro que vier eu “cato”. Aí fica a lição. Eu queria ir lá pegar um, po. Deixa eu pegar um, caralho”, disse Silveira. Mais tarde, o deputado afirmou que não estava ameaçando ninguém, mas que considerava uma “hipótese plausível, factível” a de que poderia usar uma arma para se defender de manifestantes.

A mulher do porrete

Representante de destaque dessa nova turma da extrema-direita é Cristina Rocha Araujo, também apoiadora fervorosa de Bolsonaro. Ela ficou conhecida, no domingo 31, porque portava um taco de beisebol durante uma caminhada contra a democracia na Avenida Paulista. Acabou retirada da manifestação pela Polícia Militar. “Senhora, por favor, vamos para lá”, disse o agente de segurança, enquanto encaminhava a bolsonarista para o grupo de simpatizantes do mandatário. “Eu não tenho medo, vim para a guerra”, responde ela. Além do porrete, no qual estava escrito Rivotril, um remédio ansiolítico, a manifestante levava no rosto uma máscara com a bandeira dos Estados Unidos, e se dizia com vontade de “enfiar o bastão nas pessoas que estavam criticando o presidente”. Ela se diz filha de um general e amiga do general Eduardo Villas-Boas, ex-comandante do Exército e um dos articuladores da campanha de Bolsonaro à Presidência. Ela trocou insultos e xingamentos com manifestantes a favor da democracia, que naquele dia estavam representados pelas torcidas organizadas dos principais times de futebol de São Paulo.

O amigo do filho 03

Também chama a atenção nessa nova extrema-direita o delegado da Polícia Civil de São Paulo, Paulo Bilynskyj, 33. Ele foi baleado em 20 de maio, por sua namorada, a modelo Priscila Delgado de Bairros, 27, após discussão e briga do casal, dentro do apartamento em que viviam juntos, em São Bernardo do Campo. O delegado ficou internado durante treze dias na UTI do Hospital Mário Covas, em Santo André. Bilynskyj, que era instrutor de tiro e dava aulas a Priscila, contou que a namorada teria ficado furiosa, enciumada, após ver uma troca de mensagens entre ele e uma ex-namorada. Na versão do delegado, a modelo teria disparado seis tiros contra ele e depois se matado com um tiro no peito. Porém, a investigação continua correndo e nenhuma possibilidade é descartada: feminicídio, homicídio e legitima defesa. Os dois se conheceram em 2019, e desde abril estavam morando juntos. Declaradamente bolsonarista, o delegado recebeu apoio do filho 03 do presidente, o deputado estadual Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). “Hospital Mario Covas em Santo André precisa de sangue para o amigo, delegado e Professor Paulo Bilynskyj. Força aí guerreiro. Se Deus quiser vai sair dessa. Já para a imprensa fica o conselho de tomar cuidado para não disseminar fakenews, ok?”, escreveu Eduardo no Twitter. A mensagem já foi apagada.

Antes do trágico fim do seu namoro, Bilynskyj gravou um vídeo em seu canal Projeto Policial, com a participação de Eduardo. Na conversa entre os dois, o filho do presidente fala sobre projeto de lei para liberalização das armas de fogo e faz críticas às pessoas que não apoiam o movimento de armar a população indiscriminadamente. Em suas redes sociais, o delegado Bilynskyj sempre se manifestou contra pautas de esquerda, sobre direitos humanos, além de tecer comentários com conotação machista. “O que mulher faz, além de iludir?”. E também escreveu que “a cada 3 segundos uma mulher ilude 10 homens no Brasil”. Paulo e Priscila planejavam se casar neste mês de junho.

A bandeira ucraniana

Uma misteriosa bandeira vermelha e preta apareceu na manifestação na Avenida Paulista, em meio aos grupos bolsonaristas, no domingo. Falou-se primeiro que se tratava de uma bandeira neonazista, mas logo se descobriu que era apenas de um grupo extremista e ultranacionalista ucraniano chamado Pravyi Sektor, organização paramilitar convertida em partido político. O reconhecimento da bandeira, inclusive, teria sido o estopim do entrevero entre bolsonaristas e torcidas organizadas que houve naquele dia. Quem portava a bandeira era o brasileiro Alex Silva, 46, instrutor de segurança que mora na Ucrânia desde 2014. Ele trabalha em uma academia de tiro e táticas militares em Kiev, capital do país, e, diante do clima propício às armas e ao conflito, veio abrir uma filial no Brasil. Ficou impedido de voltar para casa por causa da pandemia. Enquanto isso passa seu tempo em manifestações pró-Bolsonaro e contra a democracia. “A gente sempre vai de uma maneira ordeira, pacífica, sem quebra-quebra, sem vandalismo. O máximo que a gente faz é vaiar os caras que nos chamam de gado”, disse Silva. “Eles são terroristas, não são pró-democracia coisa nenhuma”. Sua polêmica bandeira, porém, causou revolta e teve um efeito provocativo. Os novos extremistas dão a sensação de que podem manejar qualquer símbolo autoritário impunemente. Para eles, o importante é lacrar e se preparar para a briga, que pode eclodir a qualquer momento.