“Estou muito feliz”, disse aliviado Gérard Douchet, um aposentado de 76 anos, em Sevran, uma localidade da região de Paris, onde o Carrefour estudava abrir a primeira loja de sua rede brasileira Atacadão na França, antes de recuar.

O Atacadão, especialista em artigos de baixo preço e grandes quantidades, é muito popular no Brasil. Em novembro, o Carrefour anunciou sua chegada à França em 2023, como parte de seu plano para enfrentar a inflação.

Sevran, uma localidade com população de baixa renda, de cerca de 50.000 habitantes e situada a noroeste de Paris, parecia a eleita para a estreia, mas a oposição local, começando pela Prefeitura, obrigou o grupo a buscar outro lugar.

“As condições não estão reunidas para que [a abertura da primeira loja] seja em Sevran, mas avançamos em outras pistas”, explicou à AFP o Carrefour, que nunca havia oficializado a escolha dessa localidade.

A Prefeitura dava como certo e, com a deputada esquerdista local Clémentine Autin, lançou um abaixo-assinado com ações em escolas e o mercado da cidade contra a substituição do único Carrefour do município por um Atacadão. Com sucesso.

“Não o queremos em Sevran, nem em outro lugar”, afirmou Autin, criticando uma lógica “de ‘sempre mais’ em detrimento da qualidade de vida, do emprego e da economia local”.

– ‘Não precisamos estocar salsichas’ –

O clima era de alívio em uma manhã de março no centro comercial Beau Sevran, no município situado a cerca de sete quilômetros do aeroporto Charles de Gaulle e a meia hora de trem dos arredores de Paris.

O hipermercado Carrefour, de cerca de 12.000 m², fica no coração dessas galerias construídas nos anos 1970 e características dos subúrbios de Paris, onde torres de apartamentos convivem com casas de planta baixa.

Gérard Douchet e sua esposa Rolande vão ao estabelecimento todas as terças-feiras para fazer as compras da semana por cerca de 215 dólares (pouco mais de 1.100 reais, na cotação atual) e se mobilizaram contra a chegada da rede brasileira, porque, entre outros motivos, “amam” o Carrefour.

“Não precisamos estocar salsichas no congelador e produtos de limpeza… É uma besteira”, disse à AFP o marido, que reitera um dos argumentos de rejeição lançados pela Prefeitura: o modelo do Atacadão.

O Carrefour é o único hipermercado tradicional de Sevran, com suas estantes repletas de produtos vendidos no varejo, além de açougue e peixaria. Já a rede brasileira é famosa por seus produtos comercializados no atacado, com caixas dispostas em páletes.

“Não concordo que o Carrefour considere deixar o local para dar espaço a um atacado porque, no final, não teríamos o direito de consumir como qualquer outra cidade”, disse à AFP o prefeito Stéphane Blanchet.

– Marcas próprias e ‘superdescontos’ –

Apesar do contratempo, o grupo francês já trabalha para abrir a primeira loja Atacadão entre “o fim de 2023 e início de 2024”. Ainda não há confirmação do local, mas é esperado que seja na região metropolitana de Paris.

Seu diretor-geral, Alexandre Bompard, anunciou em novembro que o desembarque da marca brasileira é parte de uma de suas prioridades: impulsionar os descontos e suas próprias marcas.

A cota de mercado das marcas com “superdesconto” – como Lidl e Aldi – passou de 9% em 2019 a 11,5% no final de 2022, segundo dados da consultoria Kantar citados pelo jornal Le Monde.

Há espaço para uma nova rede similar? “Estou convencido que sim”, assegura à AFP Laurent Landel, presidente da Bonial, empresa francesa especializada em promoções e marketing digital.

Landel considera que uma empresa com um foco “mais agressivo” neste setor tem espaço, especialmente quando a inflação sobre os alimentos na França, de quase 14,8% em fevereiro, impulsionou a inquietação sobre o poder aquisitivo.

Segundo o especialista, “96% dos franceses dizem que o critério do preço está em primeiro lugar na hora de escolher” onde comprar. Nesse sentido, Landel destaca que o Atacadão atende a esse requisito e também oferece uma imagem de marca de baixo custo.

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