17/07/2020 - 9:30
Até agora é público e notório que a gestão Bolsonaro só teve ministros nesse setor que arruinaram entidades e sucatearam pesquisas com cortes de recursos. A diferença, avassaladora, e que as indicações ao CNE contemplam o que o mandatário mais queria: desestruturar a base curricular, desmontar currículos, minar tudo o que se ensina e aparelhar ideologicamente a entidade. Se a arcaica ideologia olavista e bolsonarista se disseminava pelas redes sociais e em fake news, agora poderá tornar-se base oficial de aprendizado de milhões de alunos.
Trata-se de uma implosão. Ao Ministério da Educação cabe, principalmente, o repasse de verbas, “ainda que ele tenha se tornado um mal repassador desse dinheiro”, como diz o ex-ministro José Mendonça Filho. A missão do CNE é mais profunda e de maior alcance: composto por duas câmeras, uma delas cuidando do ensino básico e a outra, do ensino superior. Os olavistas invadem, sobretudo, justamente o território destinado à base. É ele, o ensino básico — alicerce de qualquer nação que sonhe com democracia e prosperidade —, que será destruído. Educar a base é fazer nascer a consciência crítica. E isso será detonado. Um exemplo: apesar de o Supremo Tribunal Federal, já em quatro decisões, ter derrubado as intenções bolsonaristas de proibir abordagens nas escolas sobre identidade e igualdade de gênero, esse é um dos pontos que se verá atacado. Adeus a qualquer debate sobre os problemas sociais; adeus as chances de discussões em salas de aula; adeus, talvez, a muitas escolas porque há ferrenha defesa de currículos que obriguem o aluno a estudar em casa — e, com certeza, haverá daqui para frente doutrinações políticas, religiosas, de costumes, e, vai ver, de terraplanismo. Há no País alunos pálidos de fome que não têm a mais pálida condição de aprender com sua também pálida e humilde família, e isso ficou claro no desespero e na necessária quarentena em meio à pandemia. Mas danem-se eles, segundo a visão educacional do bolsonarismo que torna o Estado líquido e enrijece o governo, que ameaça gerações e, sobretudo, ameça a própria democracia ao arruinar a estruturação dos currículos no País.
Era ruim? Vai piorar
“O desafio da educação brasileira é colocar numa mesma equação quantidade e qualidade. Precisamos melhorar a aprendizagem escolar e reduzir as desigualdades educacionais”, diz o educador e professor Mozart Neves, titular na Universidade de São Paulo da renomada “Cátedra Sérgio Henrique Ferreira”, uma das mais atuantes no segmento educacional. “De cada cem jovens que concluem o ensino médio, apenas nove aprenderam o que seria esperado em matemática e vinte e nove, em língua portuguesa”. Recente estudo do Insper em parceria com a Rede Globo apontou que a evasão escolar faz com que o Brasil juntamente com os que abandonam as instituições percam, ao longo da vida, R$ 214 bilhões. Pesquisa do IBGE divulgada na quinta-feira 16 indica que dez milhões de jovens não terminam o ensino médio e 70% deles são negros ou pardos.
Vital para a formação da cidadania e vital para o aprendizado, a possibilitar que crianças se tornem jovens com chances de ingressar bem no mercado de trabalho, o CNE se vê atropelado por Bolsonaro que não se dignou a consultar os conselhos estaduais e municipais de educação para a indicação de novos membros. Elenca-se aqui diversas declarações, intencionalmente uma na sequência da outra, para se explicitar a gravidade dos fatos. “Esse vai ser um período mais do que perdido para a Educação”, diz o cientista político Daniel Cara, que faz parte do Conselho da Universidade Federal de São Paulo. “O que mais preocupa é o desconhecimento técnico das pessoas indicadas”, diz Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação. “O CNE é um órgão de Estado e não de um governo e repudia os critérios usados para sua nova composição”, afirma a nota oficial dos conselhos de estados e municípios. Para Maria Helena Guimarães de Castro, ex-secretária executiva do MEC, “a Educação básica estava com agenda bem articulada com estados e municípios nos últimos quinze anos”. Agora, é claro, essa agenda se desfez.
Como nada é tão ruim que não possa piorar, está nas mãos do Fundep R$ 3,5 bilhões para serem repassados — e o CNE é destinatário de parte dessa verba. E o que foi que piorou? É que falar que o dinheiro está nas mãos do Fundep é o mesmo que falar que está nas mãos do bloco parlamentar chamado “centrão”, hoje carne e unha com Bolsonaro. Dispensa apresentação, mas, em todo caso, lá vai: é puro fisiologismo. Em política é regra não se dar ponto sem nó, mas o “centrão” dá nó mesmo sem ponto – e o CNE corre risco de ficar amarrado. Retomando-se o princípio de que o muito ruim pode ficar pior ainda, o Ministério da Educação tem agora como titular o professor e pós-doutor presbiteriano Milton Ribeiro. Já defendeu em culto que a disciplina caseira, se preciso, tem de ser imposta às crianças à base de vara e dor. Certa vez, comentando sobre um feminícidio, aventou a hipótese de o homem ter enlouquecido de paixão porque a vítima pode tê-lo induzido a tal loucura com gestos e posturas.
Machismo, puro machismo! Ele entra no lugar do ministro que ficou no cargo somente por cento e vinte horas porque mentiu reiterada vezes no currículo lattes, Carlos Alberto Decotelli. Decotelli, por sua vez, substituiu Abraham Weintraub que deu a Bolsonaro os nomes dos novos membros do CNE. Nessa ciranda de ministros, Weintraub ocupou a vaga do colombiano Ricardo Vélez Rodríguez. Limitemo-nos a um ponto e resumiremos facinho o que a gestão Bolsonaro pensa absurdamente sobre o Conselho Nacional de Educação. Sabem como Vélez Rodrigues o chamava? Aqui vai: “Conselho Soviético de Educação”. Claro que o S nada tem a ver com o N da sigla correta, mas também atualmente o ministério não tem nada a ver com nada. De qualquer forma, fica claro como o governo julgava a antiga formação do CNE, antes de aparelhá-lo com a sua ideologia de quem vê na educação o caminho da doutrinação política e dos costumes.