Desde que assumiu a presidência da Turquia, em 2014, Recep Tayyip Erdoğan fez de tudo para provar sua capacidade de manter um controle absoluto sobre todos os aspectos da vida no país, do uso da internet à economia. Mas a crise econômica atual prova ser impossível dobrar os mercados internacionais em nome de motivações políticas. Desde o início do ano, a lira turca tem sofrido forte desvalorização, despencando 40% em relação ao dólar. A queda foi de 18% apenas na sexta-feira 10. No início da semana, o Banco Central turco anunciou uma injeção de US$ 6 bilhões para recuperar a cotação da divisa, que a partir de então registrou uma ligeira alta. Para Erdoğan, a causa da desvalorização recorde tem nome e sobrenome: Donald Trump. Ele acusa os Estados Unidos de quererem “esfaquear a Turquia pelas costas”.

ENDIVIDAMENTO

Os problemas do país, porém, começaram há algum tempo. A Turquia, como outros emergentes, é financiada por empréstimos externos e pela entrada de capital estrangeiro interessado nas altas taxas de juros, hoje as mais altas do mundo. Esse método de estimular a economia ajudou a impulsionar o crescimento, mas de maneira arriscada: o endividamento supera a alta do PIB e a fuga de capitais aumenta ao menor sinal de que o governo turco não possa honrar o que deve. A reação do Banco Central foi necessária, mas pode ser insuficiente: deixar que a lira caia até atingir seu próprio piso tende a resultar em recessão e aumento da inflação, agravando o drama do país.

“Por um lado, somos aliados estratégicos, por outro,os EUA disparam em nossos pés” Recep Tayyip Erdoğan, presidente turco (Crédito:Umit Bektas)

A crise também tem influência política. A tensão entre a Turquia e os Estados Unidos, dois membros da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), começou por conta de um impasse diplomático. O presidente americano Donald Trump pediu ao governo turco que soltasse o pastor Andrew Brunson, em prisão domiciliar desde julho, acusado de terrorismo e espionagem. Em contrapartida, a Turquia quer a extradição de Fethullah Gülen, pregador turco exilado há 20 anos nos EUA. Ele é acusado de arquitetar o fracassado golpe de Estado de 2016. As relações ficaram ainda mais estremecidas depois que Trump anunciou que dobraria as tarifas de importação de aço e alumínio da Turquia. Erdogan rebateu, dizendo que vai boicotar os eletrônicos americanos.

A queda no valor da lira em relação ao dólar e a falta de confiança na capacidade do banco central turco de lidar com a crise fazem com que os investidores busquem ativos mais seguros e garantias de que o investimento terá retorno. Esse movimento gera um efeito cascata em outros países emergentes. Por isso, a cotação de moedas como o rand sul-africano e o real brasileiro também caiu em relação ao dólar. O frágil cenário mundial, afetado pela guerra comercial imposta por Donald Trump a antigos parceiro comerciais, agrava a fuga de investidores. Um efeito cascata, no entanto, é pouco provável e a oscilação em outros países deve ser apenas momentânea. Segundo analistas, nenhum outro mercado emergente apresenta a mesma combinação perigosa de grande dívida externa com políticas nacionais que aumentam a inflação.

 

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