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A cada voto que o democrata Joe Biden conquistava junto ao colégio eleitoral, na apuração da eleição norte-americana que colocou o mundo em expectativa nesta semana, Ricardo Salles descia um degrau no comando do Ministério do Meio Ambiente. Defensor de uma antipolítica ambiental, Salles é o reflexo de um sistema falido, construído sobre pilares fragilizados e que caminha para uma derrocada com a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos. O democrata já afirmou que a sua vitória forçará o governo brasileiro a mudar sua política ambiental. Caso contrário, os americanos irão impor sanções ao Brasil. E Salles não se sustentará no cargo. Mesmo sem Biden, a tendência é que o ministro veja seu espaço encolher no governo por causa de seus conflitos com os ministros militares e sua falta de credibilidade.

“Vamos lembrar que os EUA estão entre os países que mais emitem CO2. Eles têm de resolver o problema deles” Hamilton Mourão, vice-presidente

Herdeiro da escola negacionista de Trump, Salles, considerado um ministro da ala ideológica do governo, tem sido o responsável por dar vida à intensificação devastadora que o presidente Bolsonaro prega como desenvolvimento para a política ambiental brasileira. Sua sanha destrutiva o transforma em uma espécie de novo Abraham Weintraub, o ex-ministro da Educação que deixou terra arrasada por onde passou. O ato mais recente de Salles ocorreu na sexta-feira 30, quando assinou documento que autoriza a pesca da sardinha na área do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PE). O arquipélago, alvo recente dos desrespeitos ambientais promovidos pelo ministro, é destino preferencial da família Bolsonaro. O senador Flávio (Republicanos-RJ) é um dos que mais frequenta o local para se divertir com passagens pagas pelo Senado.

A cada ação realizada contra o meio ambiente, Salles dá um passo a mais na proximidade que tem com o presidente e seus filhos, que se tornaram seus principais (e únicos) defensores nas antessalas do Palácio. Salles defende o indefensável, exatamente ao gosto do que prega a família Bolsonaro. Dessa forma, ele compra briga com colegas – como as críticas públicas que fez contra o secretário de Governo, Luiz Eduardo Ramos – e baixa o nível nas redes sociais atacando até mesmo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a quem chamou de “nhonhô”. Para além das discussões públicas, tenta emplacar teses contrárias à realidade brasileira, assolada por queimadas e altos índices de desmatamentos.

Desprezando o debate público, Salles tenta emplacar teses contrárias à realidade brasileira, marcada pela destruição ambiental irrefreável

Espírito destruidor

Enquanto dados do sistema Deter, ligado ao Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais, mostram que entre agosto de 2019 e julho de 2020, houve um aumento de 34,5% nos alertas de desmatamento na região da Amazônia em relação ao mesmo período do ano anterior, Salles tenta mostrar, sem sucesso, que o Brasil é um dos países que mais preserva o meio ambiente. Ao todo, foram 9.205 km2 desmatados, o equivalente a 1.100.000 campos de futebol. Diante de um Pantanal em chamas, o ministro quis limpar as mãos manchadas de cinzas, defendendo um combinado de bois, fogo controlado e produtos químicos para evitar novas queimadas. Salles é adepto do que ele e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, chamam de tese do ‘boi bombeiro’, em que o gado come o capim e assim reduz a massa orgânica que propaga o fogo. Só em setembro, houve aumento de 180% no número de queimadas na região, em comparação com o mesmo período do ano passado.

As declarações do ministro, aliadas a ações consideradas insuficientes para preservar os biomas brasileiros, têm sido alvo de críticas constantes, tanto internacionalmente quanto no Brasil. E é neste cenário que a vitória de Biden faz renascer as possibilidades de que o País volte a se adequar às regras de proteção da natureza. A expectativa é que a agenda ambiental ganhe força no governo do democrata, impulsionando outros países. Para vários altos membros do governo Bolsonaro, Salles está com os dias contados. A presença mais intensiva do vice-presidente, Hamilton Mourão, nas pautas ambientais, reforça essa tese. Mourão, presidente do Conselho da Amazônia, ganhou força desde que Salles passou por um intenso processo de descrédito. Na tentativa de melhorar a imagem externa do País, coube a ele convidar um grupo de embaixadores para sobrevoar a Amazônia na quarta-feira 4, quando o resultado das eleições americanas ainda estava indefinido. “O objetivo dessa viagem é mostrar que o governo não tem o que esconder”, disse Mourão. Vamos lembrar que os EUA estão entre os que mais emitem gás carbônico. Eles têm de resolver o problema deles”. O melhor seria dizer que o Brasil vai começar a resolver seus próprios problemas: Salles é um deles.