Na antiga entrevista ao programa Câmera Aberta, em 1999, Bolsonaro ainda político iniciante, afirmou:

– Se eu fosse presidente da República daria golpe no mesmo dia!

É assim que pensava Bolsonaro.

Pois tem que ser muito distraído para não perceber que nada mudou, de 1999 para cá.

Nos últimos meses, Bolsonaro, seus filhos e seus militares tentam criar no imaginário do eleitor, a dúvida sobre a integridade das urnas eletrônicas.

Os exemplos são inúmeros.

No início do ano, Flávio Bolsonaro, sparring oficial do presidente no Congresso Nacional, sugeriu que o pai pede “apenas” uma eleição segura e transparente, o que no léxico familiar significa votos de papel.

Eduardo Bolsonaro, cuja função no governo é moldar a narrativa Bolsonarista, constantemente ataca as urnas eletrônicas, seja em eventos nacionais, internacionais ou via redes sociais.

Só não vê quem não quer.

Militares também não negam fogo. E não faltam para apoiá-lo.

Sem receber nenhuma resposta da sociedade civil, o ex-ministro da Casa Civil e virtual candidato a vice na chapa de Bolsonaro, Walter Braga Netto, recentemente afirmou em um encontro com empresários que “(…) não haverá eleição se não for feita a auditoria dos votos”.

Uma fala tão assustadora quando mentirosa, afinal, todos sabem que o voto eletrônico é auditável, por mais que o presidente e seus aliados insistam não ser. 

Só não viu quem não quis.

Esse governo transformou as urnas eletrônicas em inimigas desde que tomou posse.

Talvez os cientistas políticos digam que o que está em curso não é efetivamente um golpe. Podem chamar, quem sabe, de estratégia eleitoral.

Mas o resultado final, é o mesmo: uma eleição fragilizada por mentiras, cujo resultado não dependerá apenas da contabilidade dos votos, mas da reação do presidente e de seus militares.

Um dos argumentos do governo, e de uma parcela dos militares no poder, é o de que as urnas estariam sujeitas a ataques de hackers, como acontece com os bancos.

Para validar essa falácia de forma didática, comparam a clonagem de cartões de crédito com a alteração dos votos.

Bobagem. Não existe nenhuma similaridade entre as duas redes, a bancária e a das urnas, já que as urnas eletrônicas não estão sequer conectadas à internet o que dificulta exponencialmente a possibilidade de um hacker invadir o sistema.

Mesmo assim, os ataques continuam, quem sabe construindo as bases para um ataque mais objetivo quando a derrota for evidente.

Na semana que passou, essa estratégia veio mais uma vez a público pelo seu braço militar, numa imagem que fez lembrar tristes tempos.

A sociedade civil precisa defender o processo eleitoral com a mesma eficiência dos ataques impostos pelo governo

Nela, o ministro da Defesa, general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, esteve no Congresso Nacional, cercado por militares fardados.

Ao invés de utilizar o espaço para se limitar a pedir recursos para Exército, Marinha e Aeronáutica, o que seria compreensível, o ministro desandou a falar sobre a fragilidade das urnas eletrônicas, reverberando o discurso presidencial num fórum onde a discussão ganha uma importância muito maior do que no cercadinho ou num jantar entre apoiadores.

Só não viu quem não quis.

A novidade é que as alegações tiveram resposta imediata na voz da deputada Perpétua Almeida, do Acre.

Enquanto boa parte dos parlamentares mantinha constrangedor silêncio, a deputada resumiu o sentimento de qualquer brasileiro, afirmando que não discutiria eleições com militares e ponto final.

Esse episódio deve servir de alerta para toda a sociedade civil.

Ao romper as portas do Congresso, na voz de militares, a narrativa mentirosa das urnas eletrônicas serem passíveis de fraude subiu um degrau na estratégia nutrida pelo governo.

Os brasileiros que desejam a continuidade da democracia, precisam reagir, como a deputada Perpétua de Almeida.

Caso contrário, seremos todos cúmplices de uma estratégia de consequências inimagináveis.

Só não vê quem não quer.