Quando criança, Txai Suruí foi colocada em um pequeno pedaço de tronco pelo seu pai, Almir Suruí, uma das lideranças indígenas mais conhecidas do País e duro crítico do governo Jair Bolsonaro, na frente de toda a aldeia e profetizou: “Você, minha filha, será uma líder”. A menina cresceu, estudou, se transformou na única do seu povo a cursar Direito em uma universidade pública, criou o Movimento da Juventude Indígena de Rondônia no início de 2021, cuja organização já tem cerca de 2 mil filiados, e foi, no início de novembro, a primeira mulher indígena a discursar na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26), além de ter sido a mais jovem a fazê-lo (ela tem apenas 24 anos). Como se a premonição de seu pai se concretizasse, dias antes de voar para Glasgow, na Escócia, seus tios, caciques da aldeia paiter- suruí, onde vive, entre Rondônia e Mato Grosso, lhe presentearam com um cocar, com imensas penas coloridas e diversos adereços com diferentes significados. “Meus tios fizeram este cocar para mim, pois eu apresentaria ao mundo o nosso povo e as nossas florestas. E por isso, eu precisava me firmar como líder do meu povo. É um cocar de guerra, usado pelos guerreiros que vão para a vanguarda nos defender. Eu fiquei muito honrada. É a aldeia que escolhe o líder e não o contrário”, afirma Txai emocionada.

Foi com o cocar na cabeça que Txai apresentou aos maiores líderes mundiais, em um discurso de apenas dois minutos, a realidade vivida pelos povos indígenas brasileiros. Pediu a eles por “mudanças corajosas e globais” e escancarou as desigualdades do País, mostrando o genocídio imposto aos indígenas. “A gente sofre com garimpo, invasão dos madeireiros para tirar as árvores das nossas terras. Não há educação, faltam remédios e médicos”, explica Txai à ISTOÉ.

Ao sair do palco, sua fala já havia sido compartilhada milhares de vezes. Líderes de diferentes partes do mundo procuravam por ela nas redes sociais para conversar e encontrar alternativas para melhorar as condições de vida dos povos nativos brasileiros. Era o fim da luta contra a invisibilidade que ela travava há anos. “As pessoas ainda querem decidir o que é um povo indígena. Tem que estar no mato, pelado. É uma visão muito racista das coisas. Depois da COP, parece que finalmente elas entenderam que não tem ninguém melhor que o nosso povo para falar sobre as florestas”, diz. Além do discurso e dos milhões de compartilhamentos de suas declarações, Txai ganhou notoriedade no dia seguinte quando Bolsonaro teceu críticas à ativista e disse que ela estava “atacando o Brasil”. Txai passou a receber comentários racistas, xenofóbicos e misóginos, além de ameaças. Ela diz, porém, que essas intimidações não vão fazê-la parar. Na verdade, indicam que ela está no caminho certo e que precisa continuar mostrando a realidade dos indígenas brasileiros “Não temo pela minha vida. Sei que a mensagem que estou levando ao mundo vai muito além da minha pessoa”, conclui.

Sem tempo para descanso

Além da concientização ambiental que faz em relação às terras indígenas, Txaí concentra suas forças na defesa do seu povoado e ao redor. Como uma investigadora dos povos da floresta, ela visita todas as aldeias da região de Rondônia e Mato Grosso, fazendo um trabalho de base e tentando entender os problemas locais. É chamada pelos índígenas quando há invasão de garimpeiros, desmatamentos, focos de queimadas, entre outros crimes contra a sua cominudade. Txai documenta, tira fotos, usa drone e GPS, na tentativa de mapear o tamanho dos desafios que terá de enfrentar. No último ano, por exemplo, entre COP-26 e discursos ambientais, ela não teve tempo de descansar em sua própria aldeia onde gosta de mexer com a terra, fazer artesanatos, tomar banho na represa e cuidar do reflorestamento da região. Ela mesmo diz que é “péssima” em pescarias e não gosta de caçar. O que gosta mesmo é de estudar Direito, se dedicar ao aprimoramento do inglês para bem representar seus companheiros no Brasil e no exterior