“Acho que a desigualdade social precisa ser enfrentada. Sou empresária e a favor da distribuição de renda” Luiza Trajano, dona do Magazine Luiza (Crédito:Ueslei Marcelino)

Banqueiros e empresários do setor industrial e de serviços estão desembarcando da candidatura de Jair Bolsonaro à reeleição em alta velocidade. O acúmulo de erros na política econômica, o populismo fiscal e as constantes ameaças à democracia são os principais fatores que levam a essa debandada da elite da aventura despótica do presidente. Se os primeiros sinais desse desajuste de interesses começaram a aparecer no ano passado, com a carta dos banqueiros exigindo medidas de combate à pandemia e denunciando a desoladora situação econômica e social do País, agora eles devem se intensificar com a chegada de Josué Gomes, dono da Coteminas, à presidência da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Ao contrário de Paulo Skaf, seu antecessor, que usou a máquina da Fiesp escancaradamente a favor do bolsonarismo, Gomes mantém uma postura equidistante e apartidária e é crítico em relação ao governo, que, segundo ele, vai ficar nos livros de história por conta dos múltiplos ataques às instituições. Já avisou também que a entidade não trabalhará por nenhum candidato e nem terá um direcionamento político específico. Na prática, essa neutralidade implicará em um afastamento de Bolsonaro, que perderá um poderoso apoio.

FARIALIMERS Jovens empresários que trabalham no setor financeiro e na economia digital desistem de Bolsonaro (Crédito:Eduardo Knapp)

De um modo geral, há dois problemas aparentemente insolúveis do atual governo que comprometem a relação com a elite financeira e industrial do País. O primeiro é a falta de gestão – o governo dá repetidos sinais de que não consegue se organizar para enfrentar problemas reais como a pandemia ou o avanço da pobreza e não garante o prometido ajuste fiscal, por mesquinharia política. O outro é a incapacidade comunicativa. O relacionamento dos empresários com Bolsonaro se tornou difícil diante do discurso confuso do presidente e do imobilismo na aplicação de políticas públicas e de iniciativas liberais, como a privatização. Além disso, a figura presidencial não ajuda. Sem capacidade de passar uma mensagem clara e articulada, Bolsonaro costuma deixar aqueles que ouvem suas palavras decepcionados com a falta de conteúdo e de uma visão objetiva dos fatos. Em dezembro, em um discurso de fim de ano na Fiesp, ainda no mandato de Skaf, ele causou decepção generalizada na platéia.

“Entendo que os empresários estejam se afastando de Bolsonaro, o que não compreendo é como as pessoas ficaram tanto tempo ao lado dele” Rosangela Lyra, empresária e ativista (Crédito:Zanone Fraissat)

Nos últimos meses, o desgaste do seu governo no meio empresarial vem se tornando cada vez mais perceptível. Muitos não conseguem mais levá-lo a sério e, em alguns casos, a posição dos donos do capital em relação ao presidente já beira à aversão. O empresário Luis Stuhlberg, por exemplo, sócio-fundador da Verde Asset, que comanda uma carteira com R$ 51 bilhões em ativos e votou nele na última eleição, disse, em novembro, num evento organizado pelo Movimento Brasil Livre (MBL), que o governo Bolsonaro o deixava envergonhado e que o atual presidente nunca mais terá seu voto. “A nossa imagem que vem da Presidência, da forma como somos governados, posso dizer por mim, não pelos outros, me causa certa vergonha de ser brasileiro”, afirmou. Como a maioria da classe empresarial, ele tem apreço por uma terceira via, que fuja da dicotomia entre Lula e Bolsonaro. Outro caso é do empresário Wilson Picler, dono do grupo educacional Uninter, um dos maiores doadores privados da campanha do presidente em 2018. Agora ele saltou do barco bolsonarista e concentra esforços na coordenação da campanha de Sérgio Moro no Paraná.

A empresária Luiza Trajano, dona do Magazine Luiza, talvez seja o maior símbolo do crescente estranhamento entre o presidente e o mundo dos negócios. Primeiro, por ser mulher, é alvo direto da misoginia presidencial. Depois, ela foi tratada de forma deselegante pelo presidente Bolsonaro, que se referiu à Luiza como “uma empresária socialista que perdeu R$ 30 bilhões agora quando anunciou amor pelo nove dedos”. Sabendo da grosseria, Luiza, que estava na Paraíba para uma premiação, disse que nunca recebeu nenhum político formalmente e que nunca esteve com Lula. “Acho que a desigualdade deve ser combatida, se isso é ser socialista, então sou socialista”, afirmou. Já a empresária paulistana Rosangela Lyra, ex-presidente da Dior no Brasil e criadora do movimento Política Viva, é opositora explícita de Bolsonaro desde 2017 e nem considera uma terceira via, já que assumiu o apoio a Lula na próxima eleição. “Entendo que os empresários estejam se afastando de Bolsonaro, o que não compreendo é como as pessoas ficaram tanto tempo ao lado dele, mesmo com seu comportamento delinquente e nefasto”, disse.

“Não estou participando de atividades partidárias em razão de não haver um posicionamento claro de oposição ao governo” João Amôedo, banqueiro (Crédito:Victor Parolin)

A situação é tão periclitante que mesmo o Partido Novo, de forte coloração liberal e grande presença empresarial, além de alinhado com Bolsonaro em 2018, já saltou fora de sua candidatura. O presidente do partido, Eduardo Ribeiro, disse recentemente que a sigla não apoiará a reeleição de Bolsonaro em 2022 e busca uma terceira via. “O Novo não vai estar com Bolsonaro”, afirmou. Ribeiro assumiu a presidência nacional em março de 2020, quando João Amoêdo deixou voluntariamente o cargo. “Não estou participando de atividades do partido em razão de não haver um posicionamento claro de oposição”, disse Amoêdo.

O núcleo duro dos empresários que apoiaram Bolsonaro na eleição de 2018, reunidos no movimento Brasil 200, com cerca de 300 representantes dos mais diversos setores, perdeu força e relevância. Nos últimos dois anos, vários integrantes, inclusive o dono da Riachuelo, Flavio Rocha, e Sebastião Bonfim, da Centauro, deixaram o grupo por causa das críticas feitas pelo atual presidente Gabriel Kanner a Bolsonaro, depois da saída de Moro do governo. O próprio Luciano Hang, um dos cabeças do movimento, tem causado incômodo por ser um empedernido bolsonarista e atuar contra alguns princípios do grupo, promovendo fake news e atacando a vacina. Pelo andar da carruagem, nas próximas eleições, Bolsonaro vai sofrer grande resistência no mundo empresarial. Além do agronegócio, que ainda o apóia fortemente, vai sobrar o Hang e alguns outros gatos pingados.