Era por volta das 11h30 da manhã de terça-feira 11, quando o desempregado Euler Fernando Grandolpho, de 49 anos, saiu de casa, em um condomínio em Valinhos, São Paulo, levando sua mochila. Carregava em seu interior alguns documentos, R$ 40 em notas, moedas, uma cédula de 1 dólar, o cartão da oficina de um amigo, uma pistola calibre 9 milímetros e um revólver 38, ambos carregados, além de três pentes de munição, somando 50 cápsulas. Ilegais, as armas tinham numerações de fábrica raspadas. Ele percorreu os pouco mais de 10 quilômetros até a Catedral Metropolitana de Campinas, onde uma missa havia começado às 12h15. Por volta das 13h, ele entrou no templo. O que ocorreu a seguir durou menos de dois minutos. Euler atirou impiedosamente contra fiéis indefesos até ser alvejado no tórax por policiais e, encurralado a poucos metros do altar, cometer suicídio. Antes, acertou oito pessoas. Quatro morreram no local. Outra faleceu no hospital no dia seguinte. Três pessoas ficaram feridas. Entre os mortos, todos eram homens: Sidnei Vitor Monteiro, 39 anos, José Eudes Gonzaga Ferreira, 68 anos, Cristofer Gonçalves dos Santos, 38 anos, Elpídio Alves Coutinho, 67 anos, e Heleno Severo Alves, 84 anos. Entre os feridos, Maria de Fátima Frazão Ferreira, 68 anos, Jandira Prado Monteiro, 65 anos, e Ludar Brognoni, 64 anos.

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Distante de todos que o cercavam

Euler Grandolpho era introspectivo, se dizia perseguido pelos vizinhos e sofreria calado com a perda de sua mãe, há oito anos, e de um irmão, falecido em abril de 2017. Familiares relataram que foi uma “criança alegre”. Colegas de trabalho o consideravam até bem apessoado, mas que volta e meia apresentava dificuldades para entender tarefas simples e descuidava da higiene. “Sempre parecia ausente”, conta uma ex-colega.

As motivações de Euler foram ao túmulo com ele. As investigações apontam para um sujeito extremamente reservado, que mantinha poucas amizades, de família católica e que vivia com o pai, um viúvo aposentado. De acordo com o delegado que cuida do caso, José Henrique Ventura, a atirador se sentia perseguido por estranhos e tomava remédios para depressão. “Ele chegou a registrar boletins de ocorrência e, segundo consta, até em função desse perfil, fez uma consulta no CAPS, um centro de apoio psicossocial”, afirmou. A Polícia civil apreendeu dois computadores, um tablet, dois gravadores, um diário e pertences que estavam em seu quarto. O diário contém referências truncadas. O termo “E aí Realengo” pode ser uma referência ao massacre de 12 alunos de uma escola pública municipal do Rio, ocorrido em 7 de abril de 2011. Outro trecho: “uma delas gritou com ‘as paredes’: ‘e aí Ceará’, sobre o massacre ocorrido dias atrás”, pode ser uma referência às mortes de 14 pessoas em uma casa de shows em Fortaleza, em 27 de janeiro, em uma disputa entre facções.

Assim como ocorreu no Massacre do Realengo e no ataque que matou dois alunos e feriu quatro em uma escola de Goiânia, em 20 de outubro do ano passado, o atentado na catedral reacende a discussão sobre a flexibilização do comércio de armas pessoais no Brasil. Uma das bandeiras do presidente eleito Jair Bolsonaro é permitir que cidadãos possam reagir aos criminosos. Outro ponto fundamental é que no Brasil civis não têm acesso a armas automáticas, como fuzis e submetralhadoras. No total, ocorreram 131 ataques a tiros em massa nos Estados Unidos, em que morreram 948 pessoas, entre 1966 e 2017. Ocorre que, lá, as armas são liberadas e tem alto poder de fogo. Euler, por sua vez, não tinha licença e as armas foram adquiridas ilegalmente. A pistola, de fabricação tcheca, é de calibre 9 milímetros, só permitida às forças armadas. Também não há pistas sobre como ele aprendeu a atirar. Os policiais militares e guardas civis que o enfrentaram na igreja perceberam que Euler conseguiu rapidamente recarregar a pistola, enquanto se mantinha em movimento e sob fogo.

Última bala

Uma análise da movimentação do atirador na catedral indica que ele poderia ter encurralado as vítimas, que correram para a sacristia, no fundo da nave. Alguns conseguiram sair pela porta da frente. “Senti a bala quente passando pelo meu rosto. Mas só percebi que havia sido baleado quando saí da igreja e vi que estava sangrando”, contou o engenheiro civil Ludar Brognoni, atingido nos braços. Vindos de uma base móvel instalada a poucos metros de distância, os dois primeiros policiais a entrar encontraram um quadro caótico. “Não tínhamos certeza de nada”, contou o PM Lucas Felipe Amaral. Ele e seu colega, o sargento Edson Cruz, alvejaram Euler no tronco. Ferido e encurralado, ele usou a última bala do pente de sua pistola para atirar na própria cabeça. Ele tinha mais 28 balas e poderia feito um estrago maior.

É certo que o atirador esteve no local quase um mês antes. Quem contou foi seu amigo Ivan Souza Alves. “Ele foi na missa e depois veio caminhando até a minha casa”, disse à ISTOÉ cerca de três horas após o atentado. Estarrecido, Ivan contou que Euler era um amigo de adolescência e que sempre aparecia em sua oficina para bater papo. Ele era reservado, mas conhecia o pessoal da rua, localizada no bairro Santa Eudoxia, em Campinas, onde viveu com a família. “Mas ele era tão calmo”. Todavia, não é o que contam antigos colegas de trabalho. Por um ano, Eudes trabalhou como técnico do Ministério Público, em Carapicuíba, Grande São Paulo. Lá, acusou um colega de furto, sem ter provas. Repreendido por uma promotora, pediu exoneração e nunca mais trabalhou. Preferiu ficar em casa, até sucumbir aos seus impulsos.