A culpa de Witzel não é a inocência de Bolsonaro 

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Para usar metaforicamente uma linguagem que ele empregou literalmente, quando ainda estava no cargo e falava de matar bandidos, Wilson Witzel foi “atingido na cabecinha” na tarde de hoje. Ele teve o seu mandato como governador do Rio de Janeiro cassado, por fazer vista grossa para o mal uso e o desvio criminoso de verbas públicas destinadas a combater a pandemia. 

Segundo o relator do processo de impeachment, o deputado Waldeck Carneiro, do PT, Witzel “contribuiu diretamente para proteger interesses privados e ilegítimos”. Com isso, prosseguiu o relator, além de colaborar com corruptos, o agora ex-governador contribuiu para “os números devastadores de mortes e infectados pelo novo coronavírus no Estado do Rio de Janeiro”. 

Jair Bolsonaro com certeza está feliz. Witzel cresceu eleitoralmente em 2018, na onda do bolsonarismo. Depois disso, pôs as manguinhas de fora e começou a cobiçar a presidência, o que lhe custou o ódio figadal do atual ocupante do cargo.

Melhor ainda é o fato de Witzel ter caído por causa de um esquema de desvio de dinheiro que deveria ter sido usado hospitais de campanha e a compra de respiradores. Isso favorece uma das principais linhas de defesa dos bolsonaristas na CPI da Covid-19: a de que o uso de recursos federais para a saúde, por prefeitos e governadores, deveria ser o verdadeiro centro das investigações. 

Mas será que favorece mesmo? 

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. E depois de 400 mil mortos, todos os brasileiros devem ser capazes de fazer essa distinção, se não estiverem usando um antolho ideológico. 

Sim, muito dinheiro público deve ter sido desviado durante a pandemia. Caso contrário, não seria o Brasil. No Rio de Janeiro encontrou-se um exemplo. No Amazonas parece haver outro: nesta semana mesmo, o governador Wilson Lima e mais dezessete pessoas foram denunciadas pela Procuradoria Geral da República por crimes cometidos na compra de respiradores. O fato de Witzel e Lima operarem na mesma frequência política do bolsonarismo deve ser visto como coincidência. Outros casos provavelmente virão à tona, envolvendo gente que fica à esquerda, à direita e nas diagonais. 

Esse dinheiro poderia ter salvo vidas. É revoltante que tenha sido roubado. Mas isso não apaga os erros do bolsonarismo. 

Alguns desses erros envolvem, no mínimo, o mal uso de recursos públicos. Pensemos na cloroquina que o governo mandou fabricar, e que não curou ninguém. Pensemos nos testes que ficaram mofando na despensa do Ministério da Saúde, e que não ajudaram em nada o combate à propagação do vírus. É dinheiro que poderia ter salvo vidas. 

Mas Bolsonaro e seus asseclas fizeram muito mais contra a saúde dos brasileiros. O próprio governo compilou uma lista de vinte e três fatos que podem ser alvos de investigação da CPI. Os 400 mil mortos, e os outros que ainda virão antes de o pesadelo acabar, ficarão ligados ao nome do presidente nos livros de história.

Nos próximos dias, as redes sociais devem ser inundadas de mensagens que farão de Witzel um exemplo, não da má política, mas da suposta inocência de Bolsonaro. 

Bolsonaro não é inocente. Esse discurso será apenas mais um artifício covarde e desonesto de um governo que sabe o que fez, mas quer fugir da responsabilidade.

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PS: Há sinais de que a agressividade de Renan Calheiros como relator da CPI da Pandemia tinha um propósito: “convencer” o governo a apoiar um projeto que daria ao Congresso influência sobre o Conselho Nacional do Ministério Público. Todo enredado em denúncias, o senador odeia procuradores. É Renan sendo Renan. Assim que voltou a ter algum poder, ele tentou usá-lo para obter o que lhe interessa.